Em HQ, o quadrinista francês (com forte ligação com o Brasil) Fabien Toulmé narra histórias que lhe foram repassadas por leitores
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Uma coletânea de histórias reais repassadas aos leitores por meio do formato “quadrinhos”. Na verdade, seis narrativas. Esse é o cerne de “Inesquecíveis”, do quadrinista francês Fabien Toulmé, livro chancelado pela Nemo, braço da editora Autêntica. Logo no prefácio, o próprio autor esclarece que as histórias têm em comum o fato de serem, para quem os viveu, acontecimentos inesquecíveis. “O que acho fascinante nas histórias verdadeiras, em geral, e, em particular, nas que compõem este volume, é que, apesar do lado pessoal, há sempre uma projeção de si mesmo, um envolvimento emocional mais forte do que se fosse ficção. O famoso lado ‘universal’, que pode parecer um pouco batido, mas que é tão verdadeiro”.
Esses testemunhos, prossegue Fabien, ajudam a nos situar, a encontrar respostas através das experiências vividas por essas pessoas”. A primeira história, “A Vida Entre Parênteses”, gira em torno de uma família que se esfacela quando o genitor morre em um acidente de carro. Émilie, a narradora, tinha apenas quatro anos à época – já quando compartilha os acontecimentos que se sucederam para Toulmé, 43. Em luto, a mãe de Émilie acaba abrindo as portas para um homem que comunga da crença que orienta as Testemunhas de Jeová. Até que, aos 24 anos, a jovem começa a questionar as diretrizes desta fé.
E mais
Já “O Coração e a Vocação” mostra uma história de amor inicialmente impossível. Um relacionamento tóxico, com direito a agressões físicas, é a base de “A Carta de Perdão”, que tem um vilarejo da Bretanha como cenário. “Preservas as Lembranças” se passa em Ruanda. Nela, vemos como a inocência da infância é cruelmente roubada por meio de conflitos como o ocorrido naquele país. Estamos falando da guerra civil e do genocídio dos tutsis pelos extremistas hutus.
“O Alinhamento Perfeito dos Planetas” traz outra história de amor cuja concretização precisou ser adiada. E, por fim, temos “A Confiança da Juíza”. Nele, a narração vem de Grégory, que cresceu num bairro barra-pesada de Dunquerque. Ainda criança, ele começa a praticar pequenos roubos, até que, como ele mesmo diz, entra “para valer na bandidagem” e, na sequência, tem que prestar contas à justiça. Para saber mais sobre o processo de escuta e garimpo de histórias, o Culturadoria conversou com Fabien Toulmé. Confira, a seguir, trechos da entrevista.
Como foi esse processo de coleta de histórias?
Tudo começou a partir de uma série que comecei a produzir, a trabalhar. Neste processo, vi que gostava muito de trabalhar em cima de historias reais, de fatos reais, Ou seja, pessoas me contando a vida delas. Então, tive a ideia de fazer um chamado nas minhas redes sociais. O objetivo era que aquele material se tornasse um quadrinho, mas, ali, eu não sabia realmente como seria o projeto. Daí, recebi um bocado de emails. Só que eles realmente ficaram na minha caixa de mensagens, porque, à época, acabei indo para outros caminhos. Até que a editora me pediu para fazer uma série baseada em histórias reais. Assim, me veio à mente ir atrás deste emails que havia recebido alguns anos antes.
À exceção de uma das histórias, a conversa se deu de maneira virtual. Apenas no caso de “O Coração e a Vocação” que não. Eu estava em Paris e fui me encontrar com essa brasileira, que mora lá.
Quantas histórias coletou? E em quantos países?
Na verdade, não sei exatamente quantas, pois chegou a um ponto que até parei de contar. Imagino que, hoje, deva ter 350, 400 histórias. Quase todas vêm da França – as provenientes de outros países, me foram contadas porque fui atrás.
Como foi o processo de escolha destas seis narrativas para este primeiro livro?
A escolha teve início pelo fato de a história me tocar. Porque eu achava emocionante, porque tinha vontade de desenhá-la. Depois, fui montando o livro de acordo com a história que eu tinha acabado de escolher. Ou seja, escolhia uma e, para a seguinte, já queria que fosse diferente, que fosse para outra direção. Por exemplo, se eu estava falando de uma história que aconteceu no Brasil, depois, já ia para uma que tivesse ocorrido na França, e, depois, ia para Ruanda, por exemplo. E assim foi.
Do mesmo modo, queria contar coisas graves, mas também não só. Escolhi histórias que evocavam qualidade inerentes ao ser humano, mostrando a maneira como os personagens conseguiam superar um momento difícil de vida. Assim, fui escolhendo as histórias e desenhando-as até o livro chegar a um tamanho afinado ao que a editora tinha me pedido.
Como pensa em estruturar essa série, ou seja, em quantos volumes?
Para essa pergunta, não tenho resposta. Já terminei aqui, na França, o volume 2, que deve sair em outubro. Ele vai para uma outra direção, um pouco mais jornalística. Desta vez, não só fui buscar material nos emails como também fui atrás de outras histórias, as quais provavelmente nunca iria receber. Tem uma, por exemplo, na qual foco na história de um soldado na Ucrânia, que me contou como entrou na guerra. Então, vou continuar (a série) enquanto tiver vontade, enquanto houver histórias que quero contar e enquanto tiver um publico acompanhando. Três, quatro, cinco, dez (volumes)… Vamos ver!
No geral, mesmo sendo uma pessoa que sempre gostou de ouvir o outro, de saber histórias, você se chocou com o teor os relatos que coletou agora?
Não, não me choquei com nada, sou assim, muito aberto. Não sei se posso dizer isso, mas (sou) humilde em relação às histórias que me são contadas. Ou seja, não tenho julgamento algum, nada. Eu escuto e se a história me despertar a vontade de contá-la, desenhá-la… Porque talvez vá ficar algo que não transmita muita emoção ao se tornar um quadrinho. Mas não, não me choquei com nada, porque não julgo. Não quer dizer que eu concorde com tudo o que me foi contado. Não. Tenho a minha opinião, mas ela não é objeto da série. O objeto é mostrar o ser humano em todas dimensões. Na última do livro (“A Confiança da Juíza”), a do rapaz que bate na mulher… Isso com certeza é algo chocante. No entanto, recebo essa história e meu papel é contar para dizer um pouco do ser humano, que é feito de coisa muito boa, mas também de muita coisa horrorosa.
Serviço
“Inesquecíveis” – Fabien Toulmé
Editora Nemo/Autêntica – 128 páginas
Preço original da editora: R$ 74,90 (livro físico) ou R$ 52,90 (ebook)