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Literatura

Em noite de emoção, Conceição Evaristo toma posse na AML

Conceição Evaristo e o atual presidente da AML, Jacyntho Lins Brandão, no Palacete Dantas (Patrícia Cassese)

A escritora Conceição Evaristo é a mais nova imortal da Academia Mineira de Letras, onde tomou posse nesta sexta-feira, 8, Dia Internacional da Mulher

A data não poderia ser mais emblemática: 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Neste 2024, uma sexta-feira. Pois foi justamente neste dia repleto de significados que a escritora (poeta e ficcionista) Conceição Evaristo, 77, tomou posse na Academia Mineira de Letras – no caso, na cadeira de nº 40, que anteriormente era ocupada pela ensaísta, poeta, romancista e professora Maria José de Queiroz, falecida em novembro do ano passado. Pouco antes da posse, uma entrevista coletiva reuniu jornalistas de vários veículos na sede da AML, na rua da Bahia. Enquanto aguardavam a chegada da figura central do evento, as conversas se desenrolavam, até que, súbito, uma grande silêncio se fez. Foi o momento em que a figura impactante de Conceição Evaristo, maravilhosa, com um vestido vermelho em parte coberto por uma peça branca, de renda, adentrou o Palacete Dantas, junto ao atual presidente, Jacyntho José Lins Brandão.

A própria reação dos presentes diz muito do carisma, da potência e da aura da mineira de Belo Horizonte, radicada desde o final da década de 1970 no Rio de Janeiro. Foi como se o silêncio se impusesse, soberano, diante da visão de uma entidade, de uma rainha. Conceição Evaristo, registre-se, é a décima mulher a integrar o corpo de imortais da Academia Mineira de Letras – a primeira foi Henriqueta Lisboa, em 1963. Confira, a seguir, trechos da entrevista de Evaristo concedida aos jornalistas que estiveram presentemente lá, para cobrir a posse.

Eleição

Conceição Evaristo disse que ter sido eleita pela AML corresponde provavelmente a uma das maiores emoções da vida dela. “Porque, na verdade, eu estou aqui, hoje, certificando um caminho que seria improvável (tempos atrás), e que acabou acontecendo. Então, me traz uma emoção, me traz a minha própria história de vida, a história das mulheres negras. Assim, é um momento de gratidão à vida e à própria AML, entendido que esse é um lugar que me pertence também.

O que representa

Para Evaristo, a eleição também ecoa a força da resistência e da competência das mulheres negras. “Desse modo, (em um espectro mais amplo) a força da competência do povo negro. Porque quando se pensa em escrevivência (conceito cunhado pela escritora, e que diz respeito à escrita das vivências do próprio autor somadas às experiências e memórias do povo ao qual ele pertente, dos que vieram antes), se pensa no conceito, ou em uma forma de entender, de produzir literatura, de ler literatura, a partir da perspectiva das mulheres negras. Assim, é trazer essa perspectiva, essa discussão, essa nova forma de entender a literatura, que é pensar dados novos para a literatura brasileira. É algo que nos alegra porque também é um sinal, é um diálogo”.

Um diálogo que, prossegue Conceição Evaristo, é, de certa forma, “forçado” pelos que encontram resistência e olhares de esguelha em certos lugares, ambientes, postos. “Então, a gente força. E força o tempo todo. As classes populares, as mulheres, indígenas, os gays… Nós forçamos o diálogo, praticamente a gente impõe a nossa voz”. Mesmo com todo esforço, as conquistas, acrescenta ela, não acontecem de uma hora para outra. Aliás, demoram. “Para se ter uma ideia, a primeira vez que eu começo a discutir (o conceito de) escrevivência foi na minha dissertação de mestrado, em 1994”, sinaliza.

Atenção aos novos tempos

Conceição Evaristo entende que a Academia – “mas não só, penso que todas as instituições que guardam o saber, que divulgam o saber, caso também das próprias universidades” -, mais do que nunca, têm que estar abertas aos novos tempos, às modificações que eles trazem, à transformação do tempo. “Desse modo, quando nós pensamos que a literatura é um discurso que traz uma marca de nacionalidade, que mostra o rosto da nação, é impossível, nos dias atuais, pensar uma casa que vise representar essa literatura (do país) não ter uma diversidade (em sua composição). O discurso literário brasileiro, ele não pode ser marcado, ou ser só considerado, a partir da criação de homens – e de homens brancos. A cultura brasileira é uma cultura diversa, o próprio estado de Minas Gerais demonstra essa diversidade”.

Sendo assim, ela enfatiza que pensar em uma cultura ou em uma nação democrática, implica, automaticamente, considerar a diversidade, a representação presente em todas as formas de saber. “Então, a Academia tem que ser aberta, no sentido de acolher essa diversidade brasileira. E eu acho que a AML deu um grande pulo, um exemplo muito grande, que ela traz um signo de abertura muito grande na própria eleição do Ailton Krenak (eleito em junho do ano passado para a cadeira de nº 24). Assim, acho que trazer a própria sabedoria, o epistêmico indígena para dentro de uma casa como a AML, é muito esperançoso, muito promissor. E, hoje, trazendo uma mulher negra, acho que a AML está sendo exemplar para as outras academias, inclusive para ABL, onde o Krenak também já está (presente)”.

A juventude

Conceição Evaristo celebrou a força da juventude, a partir do que vem conferindo em palestras e feiras de livros, por exemplo. “inclusive meninos e meninas brancas que estão sendo formadas sob um outro olhar. E tem uma juventude negra muito competente, que está aí, formando, estudando, e que inclusive nos tem como referência. Desse modo, uma juventude com o poder de realmente construir, no Brasil, um espaço mais democrático, no qual uma escritora negra não vire um destaque (por ser eleita na Academia). E que as mulheres na academia não sejam mais um destaque, uma exceção”.

Pertencimento

Cada mulher ou cada pessoa negra que entra em um ambiente como o da Academia, diz Conceição Evaristo, colabora também para criar um ambiente de acolhimento. “Anos atrás, talvez eu pensasse: ‘O que eu vou fazer na AML?’ Mas na medida em que tem (lá) um Krenak, e que outras escritoras negras me vejam, eu acho que a casa deixa de ser estranha. Porque, na verdade, a gente olha para as academias… Aliás, não quero falar só de academia, digo também, por exemplo, uma instituição de ensino superior. Quando eu entrei para fazer o Curso de Letras em 1976, na UFRJ, no Rio de Janeiro, eu contava quantos estudantes negros havia”.

E, lá, localiza Evaristo, o primeiro pensamento que lhe ocorreu foi: “O que eu estou fazendo aqui?”. “Hoje, com as próprias ações afirmativas, eu acredito que as pessoas negras, ou que as mulheres, cheguem nesses espaços – que antes eram marcadamente de homens, ou de pessoas brancas – com mais confiança. Nasce uma consciência de pertencimento, e mais que isso até, nasce uma possibilidade de uma práxis quilombola, que é o que Abdias Nascimento falava muito, dessa criação de resistência. Assim, é preciso criar espaços de resistência, inclusive para a gente aguentar, para a gente conseguir se movimentar em espaços nos quais o tempo todas as práticas, olhares e discursos são para nos expulsar”.

A percepção de uma menina do Cruzeiro

Nascida na favela do Pindura Saia, situada onde hoje é o bairro Cruzeiro, na Região Centro-sul da capital mineira, Conceição Evaristo falou, aos jornalistas, na sede da AML, da personagem central do livro “Becos da Memória”, de sua autoria. “Aquela menina do Cruzeiro, e não há como negar que ela seja um alter ego, ela não sabia a vida que teria (no futuro). No entanto, desde cedo, sabia que o que ela tinha era muito pouco, que havia algo errado. Mas não sabia que um dia poderia receber tanto”.

Reminiscências

Conceição Evaristo falou que, há 50 anos, ou seja, em 1973, quando foi para o Rio de Janeiro, nunca poderia imaginar que voltaria um dia para Belo Horizonte para tomar posse na AML. “Ou seja, tudo muda, ainda que lentamente. Porque, realmente, precisava ser muito mais acelerado”. Por outra lado, ela entende que, mesmo tendo demorado (a admissão de uma mulher negra na Academia), é fato a ser comemorado, posto que permite a criação de outros imaginários e novas narrativas. “Imaginem, hoje, uma menina de sete, oito anos, que assista à minha posse. Ela vai ter outras ideias, pensar em outras possibilidades para ela mesma, para a família dela. Eu cresci sem conhecer um escritor ou escritora negra”, conta.

Foi quando já contabilizava mais de 20 anos que Conceição Evaristo conheceu autores como Adão Ventura. “Então, acho que hoje a juventude tem mais onde se mirar. Tanto os jovens negros quanto a juventude branca”.

Posse concorrida

A posse de Conceição Evaristo reuniu vários intelectuais na AML. Entre eles, o mais recente eleito para a casa, o jornalista e escritor Carlos Herculano Lopes. Tal qual, o poeta Ricardo Aleixo. E, claro, outros membros da Academia, como Maria Esther Maciel.

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