
Sessão de estreia do espetáculo O evangelho segundo Jesus, a Rainha do Céu. Crédito: Thiago Fonseca
Por Thiago Fonseca
Apesar de todos os movimentos contrários, o espetáculo O Evangelho Segundo Jesus, a Rainha do Céu não apenas estreou como foi ovacionado na abertura da Ocupação TransArte, na noite do dia 05 de outubro. O monólogo foi alvo de uma ação judicial que tentou cancelar as apresentações. A liminar foi negada pela juíza Cláudia Maria Resende Neves Guimarães, da 28ª Vara Federal.
De autoria da dramaturga britânica Jo Clifford, o monólogo traz Jesus Cristo à contemporaneidade na pele de uma mulher transgênero. A montagem brasileira é dirigida por Natalia Mallo e encenada pela atriz Renata Carvalho, que vive Cristo como uma travesti. A peça é um convite a se aproximar do personagem bíblico com um outro olhar.
Mesmo sem ter visto o espetáculo o deputado estadual João Leite, do PSDB, o classificou como uma “desmoralização da vida de Jesus e um preconceito contra a fé da maioria das pessoas no Brasil”. A estreia da a peça também foi marcada por manifestação religiosa na porta da Funarte. Uma hora antes um grupo formado por cerca de 10 cristãos de diferentes religiões, carregava faixas pedindo respeito pela fé e usava mordaças.” Intolerância não? Não! Exigimos: Respeito”, dizia o cartaz.
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INTOLERÂNCIA
“O que está acontecendo neste teatro hoje é uma afronta ao cristianismo, a Jesus Cristo, aos valores cristãos e a sociedade. Não concordamos com a peça e pedimos respeito. Toda liberdade tem limite. Como exigir respeito se eles não nos respeitam?”, afirmou o pastor Anísio Renato de Andrade, um dos organizadores do ato. Também sem conhecer a montagem ele pontuou que o evangelho prega o amor e a mensagem de Jesus aceita todas as pessoas, mas não concorda com todas as práticas.
“Amai uns aos outros, como a ti mesmo? Este ato não é amor, é intolerância”, rebateu a travesti Lara Volguer Estrela. Os militantes permaneceram calados, algumas mulheres ao fundo cantaram músicas religiosas, enquanto a comunidade LGBT tentava dialogar.
“É aceitável toda manifestação, mas há outros momentos com outras questões que devem ser discutidas, não aqui, isso é uma afronta”, disse a travesti Júlia Santos, atriz do espetáculo Madame Satã.
Enquanto uns protestavam contra a peça, outros gritavam na porta do espaço para entrar. Todos os 120 ingressos acabaram uma hora antes do início do espetáculo. A montagem está em cartaz até domingo como parte da Ocupação Transarte, que promove o encontro de artistas, ativistas e pesquisadores da cena cultural LGBT.
O EVANGELHO SEGUNDO JESUS, RAINHA DO CÉU
De acordo com Carolina Cajú, produtora do festival, “O Evangelho segundo Jesus, rainha do céu” foi escolhido para abrir a Ocupação TransArte por trazer no texto questões que o festival quer falar, como o amor ao próximo e a convivência pacífica, além de dar foco no artista trans.
“Se as pessoas assistirem a peça vão ver que ela não agride e não vai contra a religião de ninguém, pelo contrário, prega a tolerância e o respeito às diferenças”, reforçou Carolina, questionada sobre as manifestações na porta do festival.
O espetáculo reconta as histórias bíblicas, como “A semente de mostarda”, “A Mulher Adúltera”, “O Filho Pródigo” e entre outras, propondo uma reflexão sobre a opressão e intolerância sofridas por transgêneros e outras minorias. O texto reitera valores cristãos como amor, perdão e aceitação.
A atriz Renata Carvalho, interpreta Jesus, conjugando nesse papel elementos de sua identidade política como travesti. A peça busca a transformação do olhar diante de do grupo LGBT e a construção de uma sociedade mais justa e tolerante.
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A MONTAGEM
Renata chega no palco de sobretudo, salto alto, com uma mala nas mãos. Começa a dialogar com o público. O espetáculo é muito interativo, a artista transita entre o público e faz questionamentos. “O ódio é o único talento que não vale nada! Um dia o mundo será um lugar mais livre”, diz em um dos trechos.
Na cena da “Mulher Adúltera” a atriz levou para a discussão a passagem bíblia: “Atire a primeira pedra quem não tiver pecado”. Em outra cena, disse que Jesus nunca disse para ter cuidado com os homossexuais, travestis e gays, e sim, com os hipócritas que proferem julgamento.
A Santa Ceia foi marcada com ato simbólico do partir o pão e o beber o vinho. Caminhando para o fim, todos deram as mãos e fizeram uma oração, o pedido? Acabar com o preconceito, a tolerâncias e as mazelas sociais. Após a encenação Renata Carvalho agradeceu a presença, lembrou da violência contra a comunidade trans e discorreu sobre a falta de oportunidade para essas pessoas. Ela também debateu os atos contra a peça.
“Eles têm o direito de se manifestar, o que eu faço é convidar essas pessoas para uma conversa. Para falarmos sobre tudo, e, mesmo que não concordem, temos que esvaziar o assunto para que haja um entendimento mais profundo”, explicou Renata. Ela também mencionou sobre o momento turbulento do Brasil, com os ataques às artes, marginalização das transsexuais e travestis. “Só vamos deixar isso de lado quando os nossos corpos estiverem presentes na sociedade e com representatividade. A arte tem o poder de contribuir com isso”.
OCUPAÇÃO TRANSARTE
O evento chega em Belo Horizonte com uma pluralidade de artistas da cena LGBT+ de Minas Gerais, São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Trata-se de uma ocupação artística multilinguagem que explora os temas da identidade de gênero e sexualidade. Na capital mineiras serão 30 dias de programação com 50 produções e mais de 100 artistas.
“A ideia do festival é debater, e ver os trabalhos de identidade de gênero e diversidade sexual do país. A primeira edição do projeto foi um sucesso e decidimos transitar pelo país. Em Belo Horizonte detectamos uma cena muito forte voltada às questões LGBT. Procuramos parcerias com movimentos locais e conseguimos ocupar a cidade com o TransArte. Estar aqui é uma honra e motivo de felicidade”, afirma Carolina Cajú.
O evento vai até 12 de novembro, de quarta a domingo, na Funarte MG. As atividades são gratuitas ou a preços populares.
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