Aderbal Freire-Filho é um homem do teatro. Um profissional que costuma fazer boas escolhas. Especialmente quando o tema é dramaturgia. Assim como foi com Incêndios, é dele também a direção de Céus. A quarta peça da tetralogia escrita pelo dramaturgo Wajdi Mouawad aborda temas como tecnologia e terrorismo.
Nesta entrevista, Aderbal aponta as características da dramaturgia de Wajdi, a relevância da montagem nos dias de hoje assim como os desafios propostos pela peça.
Céus está em cartaz até o dia 17 de março no Teatro Bradesco. Após a última sessão da temporada, os atores Rodrigo Pandolfo, Marco Antonio Pâmio, Karen Coelho, Isaac Bernat e Felipe de Carolis, que também é o produtor e curador da obra do autor da peça Wajdi Mouawad no Brasil, participam de bate-papo com o público.
De onde partiu o desejo de dar continuidade às obras de Mouawad?
Quando a gente ia fazer Incêndios eu quis conhecer toda a tetralogia O Sangue das Promessas. Da leitura das peças, a que mais me interessou, depois de Incêndios, foi Céus. Ela é um tanto diferente das outras, pois faz uma espécie de não encerramento do pensamento. Ela faz algo que deixa reticências para o conjunto de reflexão das outras peças. Foi por isso que me interessei por ela. A iniciativa de dar continuidade na obra foi de Felipe de Carolis. Comentei com elenco que gostei muito de Céus, aí ele propôs continuar e conseguiu os direitos.
Qual a importância de uma obra tão crítica quanto a de Mouawad em tempos tão difíceis?
O teatro é uma arte do presente e de todos os pontos de vista. O espetáculo em cena é sempre um acontecimento presente, mesmo quando se trata de algo de outra época. É uma arte que fala, ou devia, do que esta acontecendo. A gente vive momentos difíceis no Brasil e no mundo, então, tenho muita vontade de fazer algum tipo de reflexão no palco sobre esse momento tão cruel que vivemos no país. Tão absurdo, de tanta falta de lógica. Mostra que grau de loucura é essa que a sociedade se contaminou para viver no Brasil como se fosse possível.
As questões do texto são contemporâneas. Não só nossas, mas no mundo inteiro. Elas fazem parte desses distúrbios, de tudo isso que está acontecendo no mundo, de uma nova sociedade, de um questionamento, de caminhos, de uma tentativa de destruição de utopias e de do surgimento de distopias. Todas essas coisas que fazem o mundo tão cruel.
O teatro deveria sempre ser feito assim, pela sua natureza do presente. Céus não fala só sobre terrorismo, mas também sobre origens e tenta ir mais fundo numa relação entre Oriente e Ocidente. Tentando ver como as guerras do Ocidente destroem sonhos da juventude. Não entendemos as razões do que está acontecendo. O que Céus faz é mostrar a destruição de juventudes ao longo desses últimos séculos
Como foi o processo de transposição dos conflitos e das críticas da obra original para uma montagem brasileira?
Na verdade, Céus é uma obra universal. Do que ela fala nós sabemos e entendemos. Nós somos parte. Não há uma transposição, pelo contrário, a peça situa onde ela originalmente está prevista. Em uma célula de combate ao terrorismo, em algum lugar do mundo em que está instalada e de onde é possível ouvir as mensagens que vem dos mais diferentes pontos. O que acontece é universal, nos toca e nos envolve inteiramente.
Quais foram as dificuldades encontradas?
Não sei se falo em dificuldade, e sim, em desafios. Todo projeto de encenação de uma peça escrita é um desafio. Quando consideramos que o palco é ilimitado, e que nada é impossível de montar nele, encaramos o desafio com otimismo e com prazer. Eu faço teatro porque os desafios me atraem. Essa parceria para a cena ser fiel, que se afine, que seja própria e fale com plateia.
Nosso desafio foi trazer para o palco como seria a comunicação da célula com outras no mundo inteiro. A troca de mensagens, a decodificação de mensagens criptografadas e como fazer isso de forma teatral. O cinema faria de uma maneira mais realista. A gente também é bem real, mas tem a possibilidade de tratar mais do essencial e não no detalhe tão naturalista.
A peça propõe dois espaços: o comum, em que todos os cinco especialistas se encontram, trabalham e o espaço pessoal de cada um, que é o quarto. Para fazer isso tudo acontecer, contamos com uma equipe genial de criação de vídeos, música e figurino. Tudo isso foi incrível. Evidentemente, destaco o elenco privilegiado que tenho.
Contribuiu Lara Alves