Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Entenda porque a arte de Pedro Moraleida incomoda os conservadores

Exposição ‘A barbárie também tem poesia’ destaca série de pinturas e desenhos praticamente inéditos de Pedro Moraleida

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Em 2017, quando a crise de conservadorismo deste século XXI começou a interferir diretamente nas exposições em cartaz no Brasil, o nome de Pedro Moraleida (1977-1999), obviamente, também apareceu entre os protestos. O artista mineiro que morreu aos 22 anos deixou uma obra potente, poética, questionadora que, claro, incomoda quem interessa afastar o pensamento crítico das pessoas.

A barbárie também tem poesia é o nome da exposição em cartaz Galeria Manoel Macedo Arte (Rua Lima Duarte, 158, Carlos Prates, BH) que justamente destaca as reflexões sobre a contradição do ser humano que o artista conseguiu deixar registrado. Ela chega após a polêmica criada em 2017 em torno da exposição Faça você mesmo a sua capela Sistina. Esteve em cartaz na Grande Galeria do Palácio das Artes, com direito a protestos na porta e defensores do calibre de Caetano Veloso.

Desta vez, os curadores Marcos Hill e Manoel Macedo escolheram expor pinturas de médio e grande formato além de desenhos inéditos. Nada estará à venda. O objetivo é mesmo destacar cada vez mais a força da arte que Pedro Moraleida deixou. E sim, ela incomoda, faz pensar, tira de zonas de conforto.

Foto: Instituto Pedro Moraleida Bernardes

Por isso, listamos aqui algumas informações que vão te ajudar a entender ainda mais a obra do artista e as razões de tantas polêmicas.

Arte como grito

Embora tenha partido muito jovem, aos 22 anos, Pedro Moraleida teve claro que tipo de arte gostaria de construir. Por ocasião da exposição montada no Instituto Tomie Otake (SP), o curador Paulo Miyada explicou que, como ele acreditava que “a arte precisava ser sempre um grito”, se alimentava dos próprios desejos e traumas inconfessáveis. Ele defendia que esse era o melhor caminho “ao invés de polir a superfície cromada dos ambientes sofisticados”. Por isso, suas pinturas são cheias de figuras que impactam mais pela estranheza do que pela beleza, embora o belo esteja em cada uma delas. Como atualmente, cada vez mais, as pessoas não têm conseguido lidar com aquilo que incomoda, com o que não se compreende e nem se decifra, as reações mais primárias são de rejeição.

Curiosidade em filósofos

Pedro Moraleida se alimentava do pensamento filosófico contemporâneo. Bataille, Artaud, Deleuze, Derrida e Lacan são algumas das referências presentes na obra dele. Ou seja, as pinturas, os desenhos, textos e afins eram modos particulares dele interpretar, por exemplo, angústias. Sendo assim,  a forma como ele retrata os corpos, a sexualidade pode ser entendida como uma afronta ao comum. O conjunto de trabalhos selecionado para a mostra A barbárie também tem poesia também apresenta conexões entre as criações de Pedro e de artistas como Van Gogh, Arthur Bispo do Rosário e Nietzsche, que claramente o influenciaram. E vale lembrar: nenhum dos três artistas tiveram uma relação superficial com os próprios conflitos.

Série Deuses. Técnica: pastel seco. Suporte: papel cansou. 1998.

“Bricoleur”

Em entrevista à Revista Bravo, o pai de Pedro, comenta que o filho se definia como um bricoleur, ou seja, capaz de misturar coisas muito diferentes para chegar a um lugar inédito. Basta observar qualquer desenho dele para se dar conta disso. Por exemplo, coloque reparo na forma como Pedro Moraleida utiliza cores de acordo com esta mesma lógica. Combina elementos aparentemente díspares, mas que juntos formam algo original. Uma relação bem próxima à ideia de bricolagem mesmo.

Sacralidade e a banalidade

Como destaca o crítico Felipe Molitor, a Pedro Moraleida “interessava o jogo entre a sacralidade e a banalidade dos símbolos e da linguagem”. Por isso a exposição retrospectiva Faça você mesmo a sua capela Sistina causou tanta polêmica. Grupos religiosos interpretaram as obras como afronta, o que na verdade estava muito mais para uma provocação para se repensar símbolos. Segundo Molitor, o artista questionava “o poder consagratório da arte e da religião sobre a normatividade de juízos”.

Recursos subversivos

Além de ter artistas como Van Gogh e filósofos como Deleuze entre suas referências, a arte pop também ajudou Pedro Moraleida a construir o próprio repertório. Mais do que isso, o expressionismo alemão e a música underground também eram consumidos por ele. Resultado, como destaca o crítico Felipe Molitor, “as pinturas e desenhos contêm traços ferozes, nervosos, descontinuados. São elementos como corpos, animais, órgãos e ícones emendados e remendados em cores estridentes, forjando alegorias sobre violência, morte e impulsos pessoais. O sexo, o conflito, a escatologia são recursos subversivos empregados nestas articulações de escárnio.”

Volume

Os pais de Pedro Moraleida, Luiz Bernardes e Nilcéa Moraleida, são incansáveis na tarefa de fazer com que a relevante obra do filho tenha cada vez mais projeção no Brasil e no exterior. Ao todo o acervo tem 1450 desenhos, 450 pinturas e 120 vinhetas musicais. Além disso, tem também muitos textos. A barbárie também tem poesia ressalta os 12 desenhos da série Angústia, 41 da Cartoons e 16 de Os Deuses. Também fazem parte da exposição o quadro Mulher e bicho estranho além das séries Madonas, Deslocamento dos artistas, Santíssima Trindade, Mulher e Formiga, entre outras.

Desenho da série Angústia. Técnica: nanquin preto. Suporte: papel sulfite. 1999.

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