Foi a partir de um poema do escritor russo Vladimir Maiakóvski e da música Gente, de Caetano Veloso, que o bloco Então, Brilha! ganhou nome e lema. O “poeta da revolução” escreveu: “Brilhar para sempre, brilhar como um farol, brilhar com brilho eterno, gente é pra brilhar, que tudo mais vá pro inferno, este é o meu slogan e o do sol”. A música de Caetano, por sua vez, fala de uma gente que que olha para o céu. Uma mistura que deu essência a um dos maiores blocos do carnaval de Belo Horizonte.
O Brilha, como é carinhosamente apelidado pelos integrantes do bloco, desfila religiosamente no sábado de carnaval, com concentração às 4h e saída para o cortejo junto com o raiar do sol. Ou seja, estrela da manhã mesmo. Em 2020, o tema do bloco é “Esperança de um tempo melhor”. Um chamado para pensar sobre o nosso tempo, bem como as manobras políticas, questões ambientais e sociais. Além disso, ainda comemora 10 anos de história. Tudo isso, faz com que o Então, Brilha! seja uma referência de resistência, um dos maiores e mais famosos blocos da capital mineira.
Sendo assim, é hora de conhecer mais sobre a história do bloco, que começou tímido e cresceu na mesma proporção que o carnaval da cidade.
História
O bloco surgiu em 2010, depois que um grupo de amigos foi para o carnaval do Rio de Janeiro com roupas brilhantes e a estrela do Mário Bross colada na testa. Na volta, perceberam que alguns grupos estavam se organizando para realizar o carnaval em BH. Criaram o Então, Brilha!, tendo como trajes as já tradicionais vestimentas brilhantes nas cores rosa e dourado. “O Brilha saiu pela primeira vez da frente do Hotel Brilhante, na Rua Guaicurus, uma região que não é culturalmente muito ocupada”, explica Michelle Andreazzi, vocalista que está no bloco desde 2015.
A saída do Então, Brilha! desse local, foi o início de uma história de resistência e protesto. A região da Guaicurus é conhecida por ser uma zona boêmia e dos hotéis de prostituição. Por isso, o bloco, desde o começo, buscou interagir de alguma forma com as prostitutas dali para que elas se aproximassem dele. E esse foi apenas o início porque, além disso, o bloco defende outras causas, como o respeito às diferenças e faz críticas à política.
O crescimento do bloco
A medida em que o Carnaval de Belo Horizonte foi crescendo, o Então, Brilha! também. O bloco, então, precisou de estrutura maior para atender os milhares de foliões que aumentava a cada ano. “Mesmo tendo nascido junto com o carnaval da cidade, quando a gente percebeu o bloco já estava enorme. Houve resistência de alguns componentes para expandir, mas, depois, todos perceberam que era necessário”, comenta Andreazzi. Uma das dores desse crescimento? O bloco precisou abandonar a tradicional saída da Rua Guaicurus, por exemplo. Essa manobra possibilitou que mais pessoas se conectassem ao bloco e com as bandeiras que ele levanta.
A expansão contou com trio elétrico e formação da Banda Brilha. “O bloco começou a receber muitas propostas de show em eventos e festas, foi aí que o Di Souza, o maestro, me convidou para cantar”, detalha Michelle. Ao lado dela está o vocalista Rubens Aredes e uma banda completa com percussão, naipe de voz, sopro e harmonia.
Bandeiras
“Gente é pra brilhar!”. O lema do Então, Brilha!, que ecoa no hino do bloco, é um resumo de tudo que é defendido por ele. “Nós defendemos as lutas contra o machismo, assédio, LGBTfobia, racismo e a injustiça social, por exemplo”, destaca Michelle Andreazzi. Só para ilustrar, um dos momentos mais emocionantes do cortejo de 2019 foi o minuto de silêncio promovido em homenagem às vítimas do rompimento da barragem de Brumadinho. Simultaneamente ao silêncio, soou uma sirene (igual as que tocam em caso de rompimento de barragens de minério). A mesma que não tocou em Brumadinho. Durante os cortejos e também nas redes sociais, o bloco realiza manifestos de conscientização relacionados aos outros temas.
Assim como o Então, Brilha!, o carnaval de Belo Horizonte surgiu como forma de protesto às medidas que o então prefeito Marcio Lacerda tomou durante o mandato. Em dezembro de 2009, Lacerda decretou a proibição da realização de eventos de qualquer natureza na Praça da Estação. A medida resultou em ocupações do espaço público na capital mineira. O principal movimento foi a Praia da Estação. Algumas pessoas convocaram a população pelas redes sociais para um piquenique na Praça da Estação. Assim, teve gente que foi de biquíni, maiô e sunga e até tomou banho nas fontes da praça. Todo esse movimento auxiliou no ressurgimento do carnaval.
“Então, para a gente, o carnaval representa essa grande oportunidade de fazer política e criar resistências e novos mundos possíveis através da alegria, da arte e da ocupação da cidade”, diz Michelle Andreazzi, que completa afirmando que o carnaval de BH “transcende a ideia de festa da carne. Então, esse é um lugar sagrado para nós porque permite a expressão e a liberdade”.
Formação
Além do tradicional cortejo no carnaval, o Então, Brilha! promove outras ações ao longo do ano. Uma delas é a Escola de Arte Brilhante, que surgiu em 2018. A primeira edição do projeto foi realizada no Aglomerado da Serra e na Vila Acaba Mundo. O objetivo é capacitar novos músicos tecnicamente por meio de oficinas. As de percussão são coordenadas pelo maestro Di Souza e executadas por regentes do bloco juntamente com pessoas da comunidade. Já a oficina de voz é guiada pelos vocalistas Michelle Andreazzi e Rubens Aredes. Ah! E vem novidade por aí, de acordo com Michelle Andreazzi, o Então, Brilha! já está com projeto aprovado em lei de incentivo e vai ser realizado novamente.
Repertório e cortejo 2020
O repertório do Então, Brilha! resgata o axé music, gênero que explodiu nos anos 1990. Além disso, conta com outros clássicos da música brasileira, como Belchior, Cazuza, Lulu Santos, Daniela Mercury e Gilberto Gil. No entanto, uma das preocupações do bloco, de acordo com a vocalista, é dar destaque à produção musical local. “O nosso hino já está na ponta da língua e faz muito sucesso. Agora, lançamos outra música, Louca pra brilhar, e esperamos que ela ganhe a mesma força que o hino tem”, salienta. Ambas as músicas estão disponíveis nas plataformas de streaming e no YouTube.
“Nós não aceitamos o futuro que os homens do poder estão construindo para a gente, então vamos resgatar a nossa memória neste ano e apontar para o futuro”, conclui Andreazzi. A intensão é unir os foliões para promover reflexão sobre o aumento da desigualdade social, as políticas de retirada de direitos sociais e trabalhistas, o sucateamento das políticas de apoio às minorias, o desmonte dos aparelhos de combate aos crimes ambientais e de preservação da natureza, que, segundo o bloco, são fantasmas que assombram o presente humano.