Peça teatral que já soma 17 anos em cartaz, “Aqueles Dois” se despede nesta segunda, 1º de abril, desta temporada no Teatro João Ceschiatti
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Quem ainda não assistiu, tem uma última chance nesta segunda-feira, 1 de abril. Estamos falando na atual temporada de “Aqueles Dois” com a Cia Luna Lunera, na Sala João Ceschiatti (Palácio das Artes). Neste retorno à capital mineira, a peça ficaria em cartaz até o dia 31 de março, mas, devido à alta procura, haverá a citada sessão extra, nesta segunda. A dramaturgia, para quem ainda não viu, é inspirada no conto homônimo de Caio Fernando Abreu e narra a relação entre Raul e Saul. Os dois são funcionários recém-admitidos de uma repartição e, no curso do tempo, em meio a muitas coincidências e gostos comuns, desenvolvem laços afetivos. No entanto, a relação entre os dois começa a incomodar os colegas, presos a uma rotina de trabalho medíocre.
Em cena, os excelentes atores Cláudio Dias, Guilherme Théo, Marcelo Soul e Odilon Esteves dialogam com questões, atuais como solidão, desilusões, preconceito, intolerância e homofobia. No bojo da nova temporada, após cinco anos sem que a companhia apresentasse “Aqueles Dois” em BH, o Culturadoria, pois, conversou com Zé Walter Albinati, um dos fundadores da Luna Lunera, sobre a peça, a longevidade dela e os novos planos do grupo. Confira!
“Aqueles Dois” completa 17 anos em cartaz e configura-se como um dos trabalhos mais longevos da Cia. Luna Lunera. A peça nasceu em 2007 e construiu uma ampla trajetória nacional e internacional, ao circular por 25 diversos estados brasileiros e se apresentar por países como México, Argentina, Colômbia, Costa Rica, Panamá, Venezuela, Uruguai e Portugal. Criada e montada dentro do projeto Observatório de Criação da Luna Lunera – que coloca à mostra os novos processos criativos da companhia, em sessões abertas ao público para contribuições – a peça marca a estreia da Luna Lunera em uma direção compartilhada, entre Cláudio Dias, Marcelo Soul, Odilon Esteves, Rômulo Braga e Zé Walter Albinati.
A que creditam a longevidade da montagem?
Em 2024, “Aqueles Dois” completa 17 anos de trajetória e acho que o que permite essa essa permanência em cena por tanto tempo é o olhar do público. Ou seja, a cumplicidade estabelecida com o trabalho. Assim, a gente voltou agora a Belo Horizonte a partir de uma demanda de muita gente querida. Pessoas que pediam que a gente trouxesse Raul e Saul, que são as personagens centrais da história, de volta.
Na verdade, já apresentamos esse espetáculo praticamente por todo o Brasil, em diversas cidades. Assim como em vários países, festivais internacionais. E a receptividade é sempre a mesma. Assim, a gente acredita que é pelo afeto que tanto o conto do Caio Fernando Abreu desperta como o modo que a gente encontrou de mostrar essa história. Acho que tudo isso tudo gera um pacto bonito, uma aposta no encontro. Aho que é isso que nos sustenta há tanto tempo.
Que reflexões a montagem visa suscitar no espectador?
Aqueles dois, tanto na versão do conto quanto no espetáculo, é uma obra que permite múltiplas leituras, porque tem muitas camadas e isso traz uma diversidade de olhares para o trabalho. Uma das contribuições que o texto traz, especialmente para os dias de hoje, entre várias possibilidades de interpretações que a gente pode ter, é fazer pensar sobre esse momento da cultura do cancelamento. Ou seja, disso de se julgar o outro, condenar as outras pessoas a partir de um olhar mesquinho, de um juízo limitado. Assim, que não coincide com aquilo que a pessoa que julga gostaria que o mundo fosse. E isso acaba criando mesmo essa perspectiva de anular o outro. Anular as outras pessoas a partir da arrogância. E por outro lado, acho que o trabalho aponta o oposto disso, que é um afeto que eu diria que é irresistível, entre as duas personagens Raul e Saul, que acabam dissolvendo o deserto do lugar onde trabalham e sendo um para o outro como se fosse um oásis. Um espaço possível de respiro. Então, acho que a vitória nesse texto é da afinidade.
Nestes 17 anos, o texto sofreu alguma alteração?
A gente, na Luna Lunera, tem uma característica de sustentar uma inquietude em relação aos trabalhos já estreados. No sentido de que a gente continua repensando e refazendo. No sentido de que a obra se atualize, assim como nós, no tempo, vamos nos atualizando também. E não foi diferente com “Aqueles dois. Até na própria construção do espetáculo. Assim, logo no início do processo criativo, a gente convidou pessoas para estar dentro da sala de ensaio. Desse modo, para conhecer esse processo ainda embrionário da obra, bem como para que pudessem opinar. E que, com isso, essa perspectiva também fizesse parte do nosso trabalho.
E isso se manteve de algum modo ao longo das temporadas todas. Nesses mais de 15 anos, a partir dos feedbacks que as pessoas nos falam de modo muito emocionado e com um nível de envolvimento muito grande após as apresentações. Ou, ainda, quando deixam escrito os pontos de vista, feedbacks, no cadastro de mailing que a gente tem por costume oferecer ao final dos espetáculos. E a partir dali, às vezes temos indicativos muito ricos, que se somam aos nossos olhares enquanto artistas. Do mesmo modo, que nos colocam em movimento, fazendo com que a obra fique sempre viva, sempre dinâmica.
De todo modo, o tema central continua atualíssimo…
Sim, essa denúncia de homofobia em especial, a gente lamentavelmente percebe que isso está inalterado no tempo. Na verdade, a gente julgou, em alguma época, que isso havia recuado um pouco. No entanto, a gente percebe que, mediante atuações de uma direita extremista, esse perfil de homofobia, transfobia, repressão, de um moralismo excessivo, acaba voltando com muita força. E aí, mais uma vez, o texto de “Aqueles Dois” entra como uma ferramenta, como um instrumento possível para, a partir de um encontro amoroso, se provocar uma possível desarticulação dessa forma perversa de funcionar. Então, a obra segue dinâmica, segue viva. E, desse modo, a gente sempre se sente muito recompensado em poder reproduzir essa história.
Quais os projetos atuais do Luna?
Para esse ano, a gente programou várias ações dentro do projeto que a gente chama Temporada Luna Lunera 2024, do qual inclusive a apresentação do “Aqueles Dois” faz parte. Assim, a gente vai trazer também, de volta, outras peças do nosso repertório, como “Prazer”, “E Ainda Assim Se Levantar”, “Urgente”…. Do mesmo modo, a gente segue com esse projeto de compartilhamento das nossas pesquisas dentro de oficinas que a gente oferece em várias comunidades.
E também com o curso In Cena, que é um curso livre de teatro que a companhia Luna Lunera oferece. Temos algumas viagens a ser programadas. Assim, o que a gente mais quer para esse ano é o que o pós-pandemia tem nos permitido, que é estar junto das pessoas que acompanham a nossa trajetória há tantos anos. É esse encontro com o público, plateia. Ou seja, essa troca intensa que alimenta muito o nosso trabalho, que nos entusiasma, que nos dá fôlego para seguir adiante.
Serviço
Espetáculo “Aqueles Dois” – Cia Luna Lunera
Quando. Última sessão nesta segunda-feira, dia 1 de abril, às 20h
Onde. Sala João Ceschiatti – Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1537, Centro)_
Classificação Indicativa: 16 anos | Duração: 90 minutos
Quanto. Ingressos: R$ 40 (inteira) | R$ 20 (meia-entrada)
Vendas no aplicativo EVENTIM e na bilheteria do Palácio das Artes