“Dias Perfeitos”, novo longa do cineasta alemão Wim Wenders, pode despertar emoções conflitantes.
Por Bruno Flores | Colaborador
É possível sentir angústia e tristeza ao testemunhar a vida solitária do protagonista, ou um legítimo aconchego diante da poesia mundana de seu contentamento. Tudo depende do ponto de vista.
Vida Mundana
Hirayama acorda sempre antes de o sol despontar no horizonte. Escova os dentes, rega suas plantas, veste um macacão, pega uma latinha de café na máquina e, ouvindo música, vai para seu trabalho como faxineiro dos banheiros públicos de Tóquio. No intervalo ele faz um lanche numa praça e, com um ligeiro sorriso de satisfação, fotografa a mesma linda árvore de todo dia. Quando se libera, deixa o carro em casa e pega a bicicleta, vai se banhar numa espécie de SPA popular, janta no mesmo local modesto, volta para casa e lê até dormir.
Aos finais de semana, Hirayama leva suas roupas para a lavanderia local, revela suas fotos, compra um ou outro livreto no sebo e janta no mesmo restaurante de sempre. Lá a dona lhe dá uma cortesia ligeiramente mais generosa do que aos outros clientes. Ele passa o tempo pedalando, lendo ou ouvindo suas fitas cassete de rock e soul.
Interações impessoais
As únicas pessoas com quem interage com alguma regularidade são o rapaz inquieto que supervisiona no trabalho e a dona do restaurante aos finais de semana. Ainda assim, Hirayama quase não dá um pio, fica “na sua” o tempo todo, e demoramos a ouvir sua voz. Sua rotina é rigorosamente a mesma, e Wim Wenders não se apressa no tempo narrativo. Precisamos sentir a monotonia daquelas ações repetitivas e a solidão existencial de Hirayama, na companhia apenas de seus livros e músicas.
Em “Dias Perfeitos” Alguns contatos humanos, porém, acabam se interpondo em seu calculado cotidiano: uma jovem rebelde por quem seu subordinado no trabalho está caidinho, uma sobrinha adolescente que ele não via há anos, e um homem com câncer terminal. Aos poucos, entendemos melhor quem é este protagonista: um sujeito que parece ter fugido de seu passado em uma família abastada, deixado tudo e todos para trás e assumido uma vida quase monástica. Contudo, o que de fato o motiva naquela existência “apagada” permanece um mistério. Melhor assim. Nunca compreendemos ninguém em sua totalidade. Nem sequer a nós mesmos.
Final sutil e hipnotizante
A cena final de “Dias Perfeitos” demonstra o poder ao mesmo tempo sutil e majestoso do cinema. A belíssima direção, a música hipnotizante e a atuação comovente de Koji Yakusho nos deixam um sabor agridoce, refletindo sobre o sentido de uma vida como a de Hirayama. E das nossas. Assim como ele, muitas vezes não sabemos se choramos ou se sorrimos diante do novo amanhecer, do novo dia, da nova vida que canta Nina Simone. Talvez o sentido da vida seja justamente essa busca. Busca por um lugar no mundo, pela paz de espírito e a felicidade duradoura. Afinal, “o agora é agora, e a próxima vez é a próxima vez”. E assim seguimos.