
Sony Pictures/Divulgação
Sempre gostei de explorar a primeira ideia que vem à mente assim que um filme termina. O que bate de imediato é a mensagem que geralmente fica. Pois saí da sessão de Desobediência pensando no quanto, mesmo no século XXI, o ser humano ainda se deixa controlar por crenças, simbologias. Já foram muitas conquistas de liberdade e, mesmo assim, parece ainda faltar um montão.
Por mais que o cartaz da produção seja a imagem de duas mulheres se beijando, Desobediência não chega nem perto de ser um drama ou romance lésbico. O novo filme do diretor Sebastián Lelio fala principalmente sobre hábitos ortodoxos e religião. Ou melhor, sobre como uma doutrina religiosa pode aprisionar, tolir, moldar, controlar e, dessa forma, dificultar o processo de conquista da liberdade individual do ser humano.
O diretor chileno é hábil em retratar dramas dessa natureza, especialmente com mulheres como protagonistas. Primeiro chamou atenção do cinema internacional com uma história de amor na maturidade em Glória (2014). Depois ganhou o Oscar de melhor filme em língua estrangeira com Uma Mulher Fantástica (2017), a trama sobre uma travesti que enfrenta a morte do companheiro.

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DESEJOS E KARMAS
Em Desobediência cabe a Ronit (Rachel Weisz) e Esti (Rachel McAdams) mostrarem que a força do desejo é natural e incontrolável. Isso não tem, absolutamente, nada a ver com fé e muito menos vai destruir o mundo. Acho até que o contrário. O mundo é pouco a pouco destruído por gente de pensamento retrógrado.
No enredo, Ronit, uma fotógrafa bem-sucedida que vive em Nova York, volta para a cidade natal depois que recebe a notícia da morte do pai. Lá descobre que o primo se casou com a melhor amiga dela. Se o trio era inseparável na adolescência, entre as duas mulheres, no passado, brotou algo muito mais forte. Coisa que foi além da amizade.
Embora o filme não deixe claro, tudo indica que foi o romance entre Ronit e Esti a razão da mudança da primeira. Ao abandonar o pai, a vida na comunidade ortodoxa de judeus, Ronit disse sim a ela mesma. Lelio nos apresenta isso nas inúmeras entrelinhas que Desobediência tem. A fotógrafa deixou de ser anjo para se comportar como qualquer humano normal. Desobedeceu ordens, crenças. Isso é natureza.

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COMPORTAMENTO
Quando retorna à comunidade, consegue ver tudo a partir de um ponto de vista diferente. Embora respeite, se incomoda com tradições como a obrigatoriedade que os casais têm de transar toda sexta-feira, o fato das mulheres usarem perucas e por aí vai. Os hábitos são tão rígidos que, em um primeiro momento, pensei se tratar de uma trama do século passado. Mas não.
À medida em que o longa se desenvolve, percebemos o quão incontrolável é o desejo das duas. É neste momento que o diretor nos revela algo surpreendente. Estamos em Londres do século XXI e ainda tem gente achando que homossexualidade é doença. Triste, mas verdadeiro.
Tristeza, inclusive, é algo permanente no semblante dos três protagonistas. Desde O jardineiro fiel (2005) Rachel Weisz faz parte do meu radar. Sempre muito talentosa. Rachel McAdams me surpreendeu mais. Só para situar, ela fez dramas melosos como Diário de uma paixão (2004) e Meia-noite em Paris (2011), esse do Woody Allen, por exemplo. Arrisco dizer que a atriz está entrando na fase mais interessante da carreira. Sua Esti tem nuances que revelam ali um bonito trabalho de compreensão das angústias da personagem. Ou seja: ótimo trabalho de atriz. Alessandro Nivola, o marido de Esti, foi uma boa surpresa.

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REPRESSÃO
Desobediência é um filme lento, as pessoas falam baixo. Se não há rompantes de emoção, isso se traduz na narrativa, linear, chapada. O ritmo é tão contido e reprimido como seus personagens, gente que se controla o tempo todo. Por mais que tivessem motivos, ninguém grita, explode. Até o prazer é controlado. Gente que vive de aparência é assim. Não pode deixar as emoções saírem. Vivem aprisionados neles mesmos. Transam debaixo das cobertas ou mesmo com roupas. Despir-se é revelar mais do que deve.
Elementos como a fotografia (uma paleta que puxa para o marrom) e o figurino reforçam a representação dessa repressão. A coisa mais colorida que aparece na tela são os ônibus vermelhos de Londres o que, uma vez mais, chama atenção para as bolhas do mundo contemporâneo. Repito: Sebastiàn Lelio fala pelas entrelinhas. Com muita sutileza, o recado do filme é que há vida fora dessas regras, dessas crenças mais que limitantes e ela tem mais brilho. Conquiste sua liberdade!
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