“Mãe do Ouro” deu a Carlandréia Ribeiro o Candango de Melhor Atriz, bem como a Fernanda de Sena, o de Fotografia, na categoria de curtas-metragens
Considerado um dos principais festivais de cinema do Brasil, bem como o mais antigo do país, o Festival de Brasília encerrou a 57ª edição no último sábado (7/12). Os estados de Pernambuco e Minas Gerais lideraram as vitórias das duas competitivas nacionais, com oito categorias cada. O mineiro “Mãe do Ouro”, com direção e roteiro de Maick Hannder, e realizado pela produtora audiovisual belo-horizontina Ponta de Anzol Filmes, foi um dos destaques. A produção arrebanhou dois Troféus Candango na mostra de curtas-metragens. Desse modo, Carlandréia Ribeiro, que vive a protagonista Tiana, venceu o prêmio de Melhor Atriz. Do mesmo modo, Fernanda de Sena levou o troféu de Melhor Fotografia.
“Mãe do Ouro” foi gravado em 2022, nas cidades de Belo Horizonte e Betim. O filme ficcional segue Tiana, uma mulher que tenta entender a morte da irmã. A partir de uma abordagem reflexiva e poética, o curta-metragem traz temas como violência contra a mulher e a memória familiar. Tal qual, dialoga com questões incontornáveis na construção da identidade cultural de Minas Gerais, como a exploração do ouro e a ancestralidade da população negra.
A “Mãe do Ouro”
A “Mãe do Ouro” é uma figura mitológica que sai em noites sem lua à procura de tesouros escondidos, protegendo-os da exploração. Em outra versão da lenda, defende mulheres vítimas de abuso pelos cônjuges. A história ecoa uma passagem da infância de Maick Hannder, diretor, roteirista e montador do filme: a morte repentina da tia, a quem o filme é dedicado. Duas décadas depois, o filme traz um retrato quebrado, que, segundo o cineasta, espelha algo da dificuldade que sua família teve ao vivenciar a situação. “Quando a minha tia foi vítima de feminicídio, me lembro da gente recebendo a notícia e indo viajar para participar do velório. Então, muito da estrutura e da linguagem do filme vem desse olhar que eu tive na época”.
O diretor de “Mãe do Ouro” acrescenta que o curta surgiu com o objetivo de garantir, à tia, o registro de sua existência. “Porém, ele acaba expondo uma história que acontece todos os dias: a de mulheres que têm as vidas ceifadas por homens em que elas confiam. A personagem principal, Tiana, irmã da vítima, passa por uma profusão de sentimentos enquanto tenta encarar a situação de frente”, observa. Essa condição da personagem, acrescenta ele, foi o ponto de partida. “Tentei construir um roteiro repleto de sutilezas, no qual tudo é dito nas entrelinhas e exposto em doses pequenas. Assim, a luz, bem como os enquadramentos, muitas vezes ‘escondem’ a personagem, envergonhada da incerteza de suas emoções”, explica,
Carlandréia
No papel de Tiana está Carlandréia Ribeiro – atriz, arte-educadora, ativista e multi-artista da cena negra contemporânea. Nascida em Belo Horizonte, mas criada em Ibirité, ela coleciona referências artísticas tão diversas quanto Nina Simone, Conceição Evaristo e Ginger Rogers. Com “Mãe do Ouro” e a vitória no Festival de Brasília, a atriz comemora vários feitos inéditos. “É a primeira vez que eu venho nesse festival, é o meu primeiro filme com a Ponta de Anzol, é a minha estreia no cinema, e eu estou levando para Belo Horizonte esse troféu. Esse prêmio é de toda a equipe, de todos que estiveram naquele set, gravando noites a fio. O corpo de uma mulher não pode continuar sendo o lugar mais perigoso do mundo para se viver. Esse Candango é de todas as mulheres”, exalta a atriz.
Fernanda de Sena
Além da interpretação de Carlandréia, “Mãe do Ouro” também levou, em Brasília, o Candango de Fotografia, para Fernanda de Sena, diretora de fotografia e também operadora de câmera do filme. Ela, vale dizer, já havia tido seu talento reconhecido nesta seara na 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes (2017), quando arrebatou o Troféu Helena Ignez pelo filme “Baronesa”. “Desde o começo, eu sentia que o ‘Mãe de Ouro’ teria, em alguma medida, uma atmosfera surrealista. Isso permitiu que usasse a luz de maneira a criar um espaço-tempo específico, o de uma memória fragmentada. As luzes eram movidas durante os planos, ou até mesmo dimerizadas — como acontece no teatro, por exemplo. Isso acabou tensionando o realismo de cada plano feito”.
Em contrapartida, pontua ela, alguns movimentos de câmera vieram de sua experiência com os filmes híbridos, em que, aponta, a câmera e os personagens percorrem juntos diferentes espaços. “O que faz com que nos distanciamos e depois nos aproximemos do mágico”, revela Fernanda.
“Mãe do Ouro” contou com recursos do edital BH nas Telas, de 2019, da Prefeitura de Belo Horizonte.
O diretor
Maick Hannder é diretor e roteirista. Assinou os curtas “Ingrid” (2016) e “Looping” (2019), exibidos em festivais como o Festival de Gramado. Tal qual, p BFI Flare: London LGBT Film Festival, Janela Internacional de Cinema de Recife, entre outros. Os filmes foram exibidos em canais de TV diversos como o SescTV, Rede Minas e Canal Brasil. “Looping” também entrou no circuito comercial por meio da Sessão Vitrine 10 Anos. Atualmente, o diretor de “Mãe do Ouro” se prepara para filmar seu primeiro longa, “Perto da Meia-Noite”. A iniciativa já foi agraciada pelo BrLab 2020 e contemplada com o edital de produção de longas-metragens de médio orçamento da Lei Paulo Gustavo – MG.