“Velha Guarda canta Mestre Conga – Pedra 90″ será lançado quarta-feira, 17 de janeiro, na sala Cine Humberto Mauro
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Para o cineasta Chiquinho Matias, o compositor mineiro José Luiz Lourenço, mais conhecido como Mestre Conga, reúne uma série de características admiráveis. Tantas, que seria até difícil listar. Mas uma, em particular, se destaca, na opinião dele: a resiliência. Mas, claro, tratando-se de um baluarte do samba, a devoção ao gênero também é um ponto a ser ressaltado. “Ele é uma pessoa que dedica a vida às escolas de samba, onde é preciso lidar com uma quantidade gigantesca de pessoas, cada uma dentro do próprio compasso, da respectiva alegoria”, exalta.
Por conta desta admiração, em 2013, Chiquinho Matias produziu o documentário “Mestre Conga – O Inconfidente do Samba”. Mas queria mais. Daí surgiu o DVDOC “Velha Guarda canta Mestre Conga – Pedra 90”, que será lançado nesta quarta-feira, dia 17 de janeiro, no Cine Humberto Mauro. A sessão, gratuita, está marcada para as 20 horas. Os ingressos podem retirados 30 minutos antes da sessão na bilheteria do cinema.
Homenagem
No DVDOC, o sambista recebe a homenagem da Velha Guarda, no caso, representada por Dona Elisa, Zé do Monte e Lucinha Bosco. Desse modo, eles e o próprio Mestre Conga interpretam dez faixas inéditas do compositor, que, em fevereiro, completará 97 anos. Em tempo: o registro também presta uma homenagem à memória do cantor José Eustáquio da Silva, o Mandruvá, que faleceu em janeiro do ano passado, aos 67 anos, durante a execução do projeto.
Vivência
Chiquinho lembra que foi exatamente no período em que estava envolvido com o documentário que se deu conta a quantidade de músicas compostas por Mestre Conga. “Ele tinha feito um CD, ‘Decantando em Sambas’, de inéditas, e eu fiquei muito impressionado com a qualidade musical. Na minha opinião, a música dele promove a reconstrução de uma cidade que a gente não tem mais. É uma coisa encantadora. E outra coisa, é uma vivência do amor, uma vivência das noites. Então, decidimos fazer essa espécie de ‘segunda etapa’ do projeto, que estamos lançando agora”.
Inconfidente do Samba
Na verdade, “O Inconfidente do Samba”, lembra Chiquinho, começou como um projeto de faculdade. À época, ele cursava Cinema e Audiovisual. “Ali, já tinha uma relação muito boa com o Mestre Conga, porque, na mesma época, era gerente de cultura da Regional Nordeste, da qual ele participava ativamente, lá. Assim, já era meu amigo. Nisso, já estava com mais de 80 anos. E você via aquele senhor ali, todo dedicado, participativo”, rememora.
Mestre Conga, relembra o cineasta, participava das atividades da capoeira, do teatro. “Ou seja, é uma arte em movimento, o corpo desse cidadão. E o documentário de 2013 surgiu assim. Eu o via falando aquelas coisas… Via que era muito desenvolto e que a história dele era maravilhosa. Ele foi o fundador do Centro Cultural do São Bernardo. Quer dizer, é uma vida toda traçada pelo viés da cultura”.
Em fevereiro, 97
A repercussão do documentário “O Inconfidente do Samba”, situa Chiquinho Matias, foi bastante positiva. “Porque, até então, todo mundo ficava assim: ‘Mas Conga?’ ‘Quem seria o Conga?’ No entanto, não que as pessoas, até então, não tivessem se atinado para ele. Mas é que ainda não tinham se deparado com uma coletânea de informações sobre ele. De tão rica é a vida de Mestre Conga. Então, foi assim. Hoje, saber que mês que vem ele vai completar 97 anos… Sendo que desde criança está nessa! De início, dentro do Congado, onde aprende os primeiros batuques”.
Samba com DNA mineiro
Certo, o citado documentário, de 2013, rememora esta história. “Relata tudo, desde o início da vida dele até a maturidade. Na verdade, hoje, há vários outros documentários sobre ele – e a gente fica muito feliz por isso. (De existir mais documentação) falando sobre esses baluartes da nossa música, do nosso samba, de Belo Horizonte. Inclusive porque ainda há pessoas que acham que o samba só existe no Rio de Janeiro. Não, cara! Aqui, temos ótimos sambistas, de muita qualidade. Não tenham dúvida! E Mestre Conga se enquadra muito bem nesse espaço”.
Baluartes
Sendo assim, a diferença fundamental entre um produto e outro é que “O Inconfidente do Samba”, reitera Matias, “era um documentário mesmo, específico”. “No qual a gente usava as músicas do próprio Conga para construir a história dele”. Já o novo projeto é um DVD musical. Porém, Chiquinho conta que, no estágio inicial deste segundo projeto, a equipe se deu conta que estava, ali, não só diante de um baluarte, como Mestre Conga, mas também de outros craques. “De outros sambistas super reconhecidos aqui, como a Dona Elisa, com mais de 700 composições próprias”.
Não só. “Nós estamos falando também da Lucinha Bosco, que foi uma semifinalista do The Voice. A gente está falando do Zé Do Monte. Nós estamos falando do Mandruvá, nosso querido Mandruvá, que nos deixou no meio do processo. Trinta dias após fazer as gravações com a gente, ele faleceu. Inclusive, o projeto faz uma homenagem a ele. Então, a gente também aproveitou para contar a vida dessas pessoas, por isso estamos chamando de DVDOC, que é uma mistura de um documentário musical. E colocamos as músicas do Mestre Conga, tentando encaixá-las no perfil de cada informação que cada entrevistado está dando”.
Espectro amplo
Neste sentido, Chiquinho pontua que o recurso veio até no sentido de ratificar o quanto as composições de Conga podem ser aplicadas a qualquer situação da vida, pelo fato de as letras tratarem de temas do cotidiano. “O olhar dele sobre a cidade, sobre as pessoas, sobre o amor, sobre a sutileza das coisas, sobre a questão dos indígenas… Porque Mestre Conga é um descendente afro-brasileiro com pensamento também nos indígenas, quer dizer, há um sentido de proteção… Ele fala sobre a cidade de Belo Horizonte, sobre a Serra do Curral…”.
Referências
O cineasta também esclarece que em momento algum houve a ideia de produzir um DVD pensado, por exemplo, para ser chancelado por gravadoras majors. “Não é isso, a ideia não é essa. É mostrar as músicas do Conga, é contar a história desses baluartes do cenário do samba mineiro, e que são referências para essa juventude que está chegando por aí”.
Homenagem em vida
Perguntado sobre a importância de homenagear grandes nomes em vida, Chiquinho conta que esse, aliás, é o princípio dele como documentarista. “Não porque ache que quem já morreu não mereça uma homenagem ou ser lembrado pelos seus feitos. Longe de mim pensar isso. Mas eu não posso deixar de ver uma pessoa viva, às vezes ainda na labuta, às vezes ainda igual ao Mestre Conga, até hoje dando entrevistas (e não pensar em homenageá-la)… Acredito que, na hora de irem para o outro plano, essas pessoas têm que estar com a sensação de ‘missão cumprida'”.
E acrescenta: “Veja, eu não sei se os meus documentários causam isso, mas depois que eu documento as pessoas, vejo, no olhar delas, uma verdade muito grande. Um agradecimento, esse sentimento que a gente também, como artista, vive. Nós vivemos também da emoção do outro. É a emoção do outro que nos move”.
Memória
O documentarista se recorda que o início do projeto contava com oito pessoas. “E, neste percurso, perdemos três”, lamenta. Entre eles, o diretor musical, que faleceu em decorrência de uma insuficiência renal. “O Juarez Araújo, que estava no projeto, também faleceu. O Mandruvá, no percurso, como eu já falei”.
Justamente por conta da faixa etária dos participantes, todos os cuidados necessários foram tomados nas gravações. “Já existe toda uma dificuldade relacionada à idade de cada um, então, quanto mais rápido a gente valorizar isso… Pensar sobre isso mais, querer registrar a memória dessas pessoas. Preservar a memória deles significa preservar a memória do nosso Estado, da cidade onde a gente vive e dos nossos artistas. É isso que faz um rio ser o que é. Assim penso eu”, finaliza.
Mestre Conga
José Luiz Lourenço, o Mestre Conga, nasceu em 2 de fevereiro de 1927, na cidade de Ponte Nova, Zona da Mata de Minas Gerais, e mudou-se para a capital mineira aos 6 anos de idade. Em 1948, recebeu o título de “Cidadão Samba”, eleito em concurso promovido pelos Diários Associados, de Assis Chateaubriand.
Fundou ao lado de outros bambas em 1950, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Inconfidência Mineira. Mestre Conga é também considerado o responsável pela inserção do samba-enredo nos desfiles de carnaval de Belo Horizonte. Aos 79 anos, gravou seu primeiro CD “Decantando em samba” com 12 faixas inéditas de sua autoria.
“Pedra 90”
O projeto DVDOC “Velha Guarda canta Mestre Conga – Pedra 90” foi realizado com recursos do Fundo Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte.
Serviço
Lançamento do DVDOC “Velha Guarda canta Mestre Conga – Pedra 90”
Nesta quarta-feira, 17 de janeiro, às 20h.
Cine Humberto Mauro – Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro)
Entrada gratuita – Retirada de ingressos (limitados à capacidade do cinema) 30 minutos antes do início da exibição.
Classificação: Livre
Duração: 57 minutos