Companhia de Dança Deborah Colker chega a BH a bordo do espetáculo “Sagração”, que aborda os processos evolutivos da humanidade
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Deborah Colker lembra que estudou piano desde muito nova. “E desde aquela época, sabia o peso que ‘A Sagração da Primavera’, de Stravinsky, tinha, tanto para a música, quanto para a dança. Trata-se de uma obra que rompeu com a estética musical e foi criada para ser dançada – por isso, eu tinha em mim que em algum momento precisaria realizá-la”. Há cerca de dois anos e meio, a coreógrafa entendeu que era, enfim, chegada a hora. Depois de um longo processo de estudos, criação e ensaios, o espetáculo “Sagração”, da Companhia de Dança Deborah Colker, adentrou a cena em março deste ano, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Agora, é a vez de Belo Horizonte receber o espetáculo. Bem, a má notícia é que os ingressos já se esgotaram. De todo modo, o Culturadoria conversou com Deborah Colker sobre o processo criativo de “Sagração”, que, sim, a exemplo de outras montagens da Companhia de Dança que leva o nome da coreógrafa, tem chances de um dia voltar à cidade.
Antes dos trechos do bate-papo, é preciso contextualizar que “Sagração” partiu da obra de Ígor Stravinski (1882 – 1971), mas não se prendeu a ela. Como o próprio material de divulgação informa, na versão concebida e dirigida por Deborah, a música de Stravinsky “encontra ritmos brasileiros no espetáculo inspirado por visões ancestrais sobre a origem do mundo”. No caso, Boi bumbá, coco, afoxé e samba. Para tal, aos acordes de instrumentos de orquestra, o diretor musical adicionou flauta de madeira, maracá, caxixi e tambores.
Confira, a seguir, trechos da entrevista
Processo
Deborah Colker ressalta que a escolha de trabalhar com “A Sagração da Primavera” de Stravinsky exigiu um intenso e profundo trabalho. “Essa música é difícil de contar (os tempos e os compassos rítmicos) e difícil de compreender (suas frases melódicas e toda sua estrutura orquestral). Então, durante seis meses eu fiquei dissecando e estudando essa música no corpo e nos movimentos. Aos poucos, fui me tornando mais íntima dela e, assim, comecei, junto ao Alexandre Elias, a pensar nos bordados musicais. Isto é, em dialogar a música primitiva e originária brasileira com Stravinsky”.
Junto a isso, prossegue Deborah, veio a criação dos bambus. Ela lembra que, embora seja uma planta com muitas possibilidades, ao mesmo tempo demandou um tempo para que os bailarinos pudessem se apropriar dos movimentos com ele”. “E, assim, torná-lo a extensão de seus corpos. Citei duas questões na minha Sagração que foram difíceis, mas ao mesmo tempo muito prazerosas. Com os bambus, comecei, como uma criança, a descobrir uma floresta, um barco, uma arma para caçar, uma oca, as águas. Então, com esse elemento cênico fomos construindo o caminho evolutivo, que é o roteiro desse espetáculo”.
Trilogia
Deborah Colker considera “Sagração” o fecho de uma trilogia que se completa “Cão sem Plumas” (2017) e “Cura”’ (2021). “Todos esses espetáculos passam por temas relacionados a experiências humanas. Primeiramente, em ‘Cão Sem Plumas’, mostrando a tragédia e a riqueza da população ribeirinha e o descaso das elites. Depois, falando sobre a cura do que não tem cura e fazendo uma ponte entre a fé e a ciência. Já em ‘Sagração’, minha ideia foi sagrar e celebrar os caminhos evolutivos da humanidade, bem como trazer um olhar sobre nossos povos originários, nossa cultura. Mas sempre seguindo meu timoneiro Stravinsky nessa aventura”.
“Para encerrar a trilogia, depois de ‘Cão Sem Plumas’ e ‘Cura’, que foram espetáculos que tratavam de temas tão densos, minha ideia, nessa obra, apesar de também desenvolver um tema importante e urgente, foi sagrar, celebrar e, principalmente, festejar esse presente tão lindo que nos foi dado, que é a vida”, complementa Deborah.
Curiosidades (*)
Kuarup. Foi em uma viagem para o Xingu, durante o Kuarup, e no encontro com as aldeias indígenas Kalapalo e Kuikuro, que Deborah Colker conheceu Takumã Kuikuro. O cineasta contou a ela como o povo do chão recebeu o fogo do Urubu Rei. Essa história é dançada e acompanhada por narração do próprio Takumã e faz parte da coleção de cosmogonias que a diretora reuniu para montar a dramaturgia do espetáculo.
Nilton Bonder. Na companhia de Nilton Bonder, Deborah revisitou a mitologia judaico-cristã. Do livro “Gênesis”, as passagens sobre Eva e a serpente e sobre Abraão ganham cenas que destacam momentos de ruptura. “São dois mitos que elaboram sobre a consciência humana: pela autonomia de uma mulher que desperta para caminhos interditados e transgride; e de um homem que sai da sua casa e cultura em direção a si mesmo”, destaca o dramaturgo.
Homo Sapiens. Além das alegorias bíblicas, a coreógrafa também buscou referências na literatura científica. “A versão mais recente da nossa espécie é a Homo sapiens que, assim como outros seres, precisa se adaptar constantemente”, pontua Deborah, destacando a presença das personagens que representam bactérias, herbívoros e quadrúpedes no espetáculo.
*As informações dessa seção da matéria foram extraídas do material de divulgação da montagem.
Ficha técnica
Criação, Direção e Dramaturgia: Deborah Colker
Direção Executiva João Elias | Direção Musical Alexandre Elias | Direção de Arte Gringo Cardia
Dramaturgia Nilton Bonder
Figurinos Claudia Kopke
Desenho de Luz Beto Bruel
Fotografia Flávio Colker
Serviço
“Sagração”
Companhia de Dança Deborah Colker
Quando. 31 de agosto e 1º de setembro (sábado às 21h e domingo às 19h)
Onde. Grande Teatro do Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro)
Classificação: Livre | Duração: 70 minutos