Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Exposição “La Maison de Clarice” ocupa casarão sede da AML

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Até outubro, a mostra “La Maison de Clarice” se espraia no imóvel histórico, sede da Academia Mineira de Letras, localizado na rua da Bahia

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Adentrar a casa de Clarice Lispector. O que seria a meca para um contingente de admiradores da obra da escritora da ucraniana naturalizada brasileira passa a ser, de certa forma, possível a partir desta sexta-feira. É que, até 14 de outubro, a sede da Academia Mineira de Letras abriga a exposição “La Maison de Clarice”. A iniciativa apresenta a estrutura de uma “casa”, na qual Clarice, enquanto anfitriã, recebe duas convidadas bem especiais: Nathalie Sarraute e Marguerite Duras.

Ao adentrar o espaço expositivo, o visitante percorre espaços como a “Cozinha”, que faz referência ao processo criativo das escritoras e à forma como definiam a escrita. Já no “Quarto da Escritora” se encontram os textos mais confessionais das autoras. No centro da exposição, o “Salon” (ou “Sala de Visitas”) flagra as relações de Lispector com a França, seja pela ligação com o Teatro da Maison de France ou com a literatura francesa. Isso, a partir de um encontro dela – ocorrido no Rio de Janeiro, em 1969 – com Alain Robbe-Grillet, tido como o “papa do Nouveau-Roman”.

A sede da AML, que recebe a exposição "La Maison de Clarice" (Paloma Morais/Divulgação)
A sede da AML, que recebe a exposição "La Maison de Clarice" (Paloma Morais/Divulgação)

Embrião do projeto

“La Maison de Clarice” tem curadoria da escritora Guiomar de Grammont, professora da Universidade Federal de Ouro Preto, e de Vincent Zonca, Léo Le Berre e Roberto Pedretti, do Escritório do Livro e do Debate de Ideias da Embaixada da França no Brasil. “A ideia surgiu em outubro de 2019, quando se aproximava o centenário de nascimento de Clarice Lispector, que iria ocorrer no dia 10 de dezembro de 2020”, conta Guiomar. Desde o início, prossegue ela, a ideia era pensar as relações da vida e da obra de Lispector com a França, posto ser de conhecimento que ela foi feliz nos dias em que passou em Paris, com amigos como San Tiago Dantas e o casal Bluma e Samuel Weiner.

O jardim do casarão sede da Academia Mineira de Letras recebeu intervenções que fazem alusão à obra de Clarice (Paloma Morais/Divulgação)

“Segundo a amiga Olga Borelli, no táxi que a levou para o hospital em seus últimos dias, ela inclusive chega fantasiar que estava indo para Paris”, diz Guiomar. Contudo, os planos da exposição ficaram em suspenso quando surgiu a pandemia da Covid-19. “A montagem acabou sendo protelada, o que, aliás, nos permitiu tempo para avançar muito nas pesquisas da vida e obra da escritora”. Guiomar, por exemplo, leu toda a correspondência de Clarice Lispector. Não bastasse, releu diversos de seus livros. “Assim, colhi frases e passagens que pudessem compor a estrutura que idealizamos”.

Encontro entre afins

Como já assinalado, a estrutura de uma “casa”, na qual Clarice recebe Nathalie e Marguerite. Para Guiomar, a comparação entre Clarice Lispector, Marguerite Duras e Nathalie Sarraute é natural, pois, continua, elas se encontram no cerne da experimentação romanesca que conhecemos no século XX. “Portanto, sendo fonte privilegiada de inspiração e influência para autores e leitores de todas as partes do mundo. As escritas literárias delas são muito diferentes entre si. Porém, guardam algumas semelhanças fundamentais, o que permite um olhar aproximativo sobre suas obras”.

Dentre essas características, Guiomar aponta que a escrita não visa o entretenimento. Pelo contrário, muitas vezes produz uma sensação de estranhamento diante da realidade, em uma atmosfera por vezes enigmática. “A experimentação de novas formas de escritura, intencional ou não, levou essas escritoras a romperem com a fórmula do romance tradicional. Assim, a intriga passa para o segundo plano. O desenvolvimento dos personagens se torna menos importante. Portanto, cede lugar à introspecção e à vida interior, que passam a ocupar o centro da narrativa”.

Narradoras da intimidade

Assim, a curadora lembra que as três podem ser consideradas narradoras da intimidade. “Utilizam o estilo confessional para nos fazer mergulhar em uma atmosfera por vezes enigmática e desconcertante, pontuada por revelações epifânicas”. Essa ruptura fundamental com o romance tradicional se caracteriza também pela ausência de linearidade na narrativa. “Tanto para Clarice Lispector, quanto para Duras e Sarraute, o romance não é percebido como um encadeamento de aventuras que leva a uma conclusão. Como na fórmula de Jean Ricardou, a propósito do nouveau-roman, para elas, ‘o romance é menos uma escrita de aventuras do que uma aventura da escrita'”.

Contudo, Guiomar situa que Clarice, Marguerite e Nathalie são também mulheres notáveis. Inclusive, que participaram de grandes acontecimentos que atravessaram o século XX. “E sempre se solidarizando com aqueles que lutavam contra a ascensão do nazismo. Enquanto Clarice se voluntariou como assistente de enfermagem, cuidando dos soldados brasileiros feridos na guerra, Duras e Sarraute, que era judia, se integraram à Resistência, na França. Na época, Clarice estava na Itália, acompanhando o marido em suas funções diplomáticas”.

Início da trajetória no Rio

A escritora Guiomar de Grammont explica que a exposição foi idealizada inicialmente para a Bibliomaison do Consulado da França no Rio de Janeiro. “Eu fiz toda a pesquisa e textos, enquanto Valeria Neno realizou a concepção artística e cenográfica. Já Hiti Foresti se responsabilizou pela cenografia e montagem. Valter Fadel assinou o design gráfico. Vincent Zonca, Leo Le Berre e Roberto Pedretti, por sua vez, colaboraram muito na concepção e criação dos espaços e elementos de interação com o público”.

Depois, a exposição circulou por Volta Redonda, Brasília e, agora, finalmente chega a Belo Horizonte. Aliás, para Guiomar, na capital mineira, a iniciativa encontrou o espaço ideal para a sua realização no Palacete Borges da Costa, que é sede da Academia Mineira de Letras. “Um casarão belíssimo, com todos os aposentos de uma casa. Assim, o visitante irá conhecer a Sala de Visitas de Clarice, a intimidade do quarto dela, o jardim, a cozinha e até o quarto do filho, entre outros espaços. Também foi excelente o trabalho da gestora da AML, Inês Rabelo, na montagem da exposição”. A mostra vai circular, ainda, por Ouro Preto, Recife e São Paulo.

Interação

A exposição oferece, ainda, formas lúdicas de interação com o público. Assim, convida-o a escrever mensagens para Clarice. “Através dos QR Codes, o visitante tem acesso a experiências sensoriais e sonoras incríveis, surpreendentes. Adultos e crianças são convidados também a imaginar, por meio de desenhos, uma viagem a Paris, mencionada por Clarice em suas cartas”.

Missivas e entrevistas

Guiomar ainda acrescenta que as fontes escritas selecionadas para a mostra foram os romances, contos e crônicas. “Mas, sobretudo, a obra missivística e as entrevistas. Como foram realizadas para diferentes ‘escutas’, oferecem nuances por vezes contraditórias, o que deve ser percebido como uma riqueza e um desafio à interpretação”. Desse modo, na exposição, Clarice se mostra sob suas máscaras. “Terna e maternal com suas irmãs, desmanchando-se em charme e humor para seus amigos escritores. Já perante seus entrevistadores, evasiva e distante. Na exposição, apresentamos fragmentos dessas fontes, sobretudo das cartas e entrevistas. Do mesmo modo, fotos, imagens de arquivo, livros da autora publicados na França e artigos sobre eles”.

Programa educativo

Além da visitação espontânea, aberta ao público em geral, a Academia Mineira de Letras convida também professores, educadores, bibliotecários e mediadores de leitura para um programa educativo específico. Entre os objetivos, de acordo com o material preparado pela assessoria de imprensa, estaria “aguçar a sensibilidade de educadores e professores para entenderem um projeto expositivo literário e extrair, dessa experiência, práticas a serem utilizadas com os estudantes.” As inscrições podem ser feitas até o dia 20 de agosto, mediante preenchimento de formulário on-line.

Visitação na abertura oficial da iniciativa “La Maison de Clarice”, ocorrida nesta sexta (18) (Paloma Morais/Divulgação)

A Fase 1 do programa educativo envolve a realização de três Encontros de Formação ainda este mês de agosto. A partir da troca de experiências, os participantes serão instigados a encontrar um tema em comum que favoreça uma forma de praticar a literatura em sala de aula. No caso específico da exposição “La Maison de Clarice”, a organização entende que há um amplo material a ser explorado. O destaque recairia para as cartas escritas e recebidas por Clarice. Estes, lembra o material, trazem um extenso universo de inspirações para desenvolvimento da escrita e do imaginário, podendo se desdobrar, por exemplo, em uma oficina de escrita de correspondências.  

Agenda

Os encontros de formação ocorrem no dia 21 de agosto, segunda-feira, das 19h30 às 21h (encontro virtual), no dia 23 de agosto, quarta-feira, das 19h30 às 21h (encontro virtual), e no dia 28 de agosto, segunda- feira, das 18h às 20h (encontro presencial na sede da AML).

Já a Fase 2 será dedicada à aplicação em sala de aula. Trata-se de um momento reservado para que os participantes da primeira experiência coloquem em prática as ações propostas em sala de aula. A ideia é que a metodologia seja implementada nas atividades pedagógicas, inserindo os alunos no universo de Clarice – e também da exposição. O resultado das atividades pedagógicas – as escritas, criadas pelos alunos – serão avaliadas pelos professores e, em seguida, incorporadas à exposição.

Nesta fase, o desenvolvimento de atividades em sala de aula e o envio dos resultados para a AML estão previstos entre 30 de agosto e 16 de setembro. Já as visitas guiadas para turmas das escolas participantes dos Encontros de Formação ocorrem a partir do dia 18 de setembro, mediante agendamento. A carga horária do Programa Educativo é de 5 horas, com emissão de certificado.

Colóquio

Por fim, está previsto, para setembro, um colóquio a ser realizado em parceria com a Embaixada da França e a UFMG. A iniciativa terá apoio do Fórum das Letras e da Relicário Editora, tendo como temas a vida, a obra e a relação das escritoras Clarice Lispector, Nathalie Sarraute e Marguerite Duras.

Serviço

Exposição La Maison de Clarice

Onde. AML (Rua da Bahia, 1.466, Lourdes)

Quando. Até 14 de outubro – sextas e sábados, das 9h30 às 17h30
Entrada. Gratuita, mediante retirada de ingressos gratuitos no Sympla
Programa educativo. Inscrições até 20 de agosto, mediante preenchimento de formulário on-line
Mais informações: www.academiamineiradeletras.org.br e instagram @amletras

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