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Clarice Lispector aos olhos de Nélida Piñon e Marina Colasanti

Escritoras foram amigas próximas de Clarice Lispector e contaram em bate-papo no IX Fliaraxá como era a convivência e a vida com autora
a hora da estrela

Clarice Lispector. Foto: Badaró Braga / A Cigarra / Arquivo EM

Em 10 de dezembro celebramos 100 anos de nascimento de Clarice Lispector. As homenagens e comemorações já começaram. Uma delas foi realizada no IX Fliaraxá, no qual Clarice é patrona ao lado de João Cabral de Melo Neto. Para falar sobre a escritora Nélida Piñon e Marina Colasanti conversaram com Simone Paulino sobre como era ser amigas de uma das maiores escritoras do séculos XX. Afinal, quando se é fã ou admira alguém, é comum imaginar como é lidar com aquela pessoa no dia a dia, conviver com seus costumes e hábitos. Quando se fala de Clarice Lispector então, a imaginação voa longe. Então, nada melhor do que ouvir de amigas próximas como era a experiência.

Antes de ser amiga de Clarice, Nélida já era fã. Conheceu a obra por meio de Raquel de Queiroz, quando apresentava originais do primeiro romance, Guia-mapa de Gabriel Arcanjo. Queiroz disse a ela que a escrita lembrava a de Lispector. Depois disso, passou a ler muita coisa da autora e o primeiro movimento em direção a ela, já com a intenção de se tornar amiga, foi enviar ovinhos de páscoa com um cartão. Ele dizia “foi então que aconteceu. De pura afobação, a galinha pôs um ovo”, frase extraída do conto Uma galinha. “Não assinei e deixei na casa dela. Pensei que eu queria ser amiga e não fã”, relembrou Nélida Piñon.

Clarice Lispector

Nélida Piñon, Clarice Lispector e a poeta Marly de Oliveira, que também era amiga de ambas as escritoras. Foto: Acervo Nélida Piñon

O começo da amizade

O próximo contato de Nélida com Clarice seria apenas dois anos depois do ocorrido, em 1961, quando uma amiga da faculdade a convidou para jantar em um lugar não informado, chega lá, era a casa de Clarice. Dessa forma, começou uma amizade que durou até o derradeiro dia de Lispector.

Com Marina Colasanti a história foi mais no ramo profissional. Ela trabalhava na redação do Jornal do Brasil, periódico no qual Clarice foi contratada para escrever crônicas. “Eu fiquei encarregada dela, me escalaram para fazer as comunicações e revisar os textos, que não havia nada a revisar porque eu nunca mexeria em uma vírgula dela”, contou Colasanti. 

A amizade

O dia a dia era de convivência bastante particular. Clarice tinha o seu próprio mundo interno e agia de acordo com as demandas interiores. Exemplo disso é o jantar que participou na casa de Marina Colasanti. “Quando chegou ela estava risonha e franca”, relata Marina. Mas, aos poucos, a expectativa baixou e com uma súbita dor de cabeça ela decidiu ir pra casa. “Ela se sentiu estranha no meio das conversas, da leveza generalizada e da despreocupação. Ela quis voltar pra casa, como se fosse o refúgio onde ela se permitia ser pesada, deprimida”, destacou Marina. 

Nélida estava no começo da carreira quando Clarice já era escritora consagrada. “Eu sabia que ela era uma grande escritora, mas borrei esse conceito para que pudéssemos ser amigas em iguais condições”, afirma. Mesmo assim, Clarice pedia os originais da autora iniciante para ler, mesmo não tendo o costume de fazer isso com mais ninguém. “Então, estabeleceu-se entre nós um diálogo doméstico, singelo, de coração para coração”. 

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Marina Colasanti e Clarice Lispector em 1963. Foto: Acervo Marina Colasanti e Affonso Romano de Sant’Anna

O refúgio na escrita

“Quando Clarice não estava escrevendo se sentia morta. O refúgio era a interrogação da escrita. A pergunta nunca respondida que Clarice endereçava à vida e aos mistérios da vida”. Essa é a descrição feita por Marina Colasanti parafraseando a última entrevista de Clarice Lispector. Ao mesmo tempo, ela fazia questão de afirmar que não era uma profissional, pois os profissionais escreviam porque precisavam, como se fosse uma necessidade econômica. Ela era uma amadora, porque escrevia sem precisar e fazia questão de se declarar amadora para manter a própria liberdade.

Esses dois pontos talvez justifiquem o hábito de Clarice em escrever de forma fragmentada.  “Ela não escrevia em sequência direta. Usava pedacinhos de papel e guardava dentro de uma caixa, depois atava um pedaço a outro para fazer um texto corrido. Em seguida, tinha de ler com muita atenção porque ela sempre repetia algum trecho mais adiante”, recorda Nélida.

Fliaraxá 2020

Neste ano, o Festival Literário de Araxá teve como tema/conceito “Não há uma língua em português, há línguas em português”, extraída de uma fala de José Saramago no documentário Língua – Vidas em português, de Victor Lopes. Além disso, teve como homenageados a mineira Conceição Evaristo e o angolano José Eduardo Agualusa.

 

 

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