Quem é brasileiro e nunca se jogou em uma rede? Se existir um cidadão que ainda não teve essa experiência, deve ser porque ainda é muito novo para tal. As redes fazem parte da nossa história. E foi isso que chamou a atenção do historiador da arte Raphael Fonseca em 2012, quando iniciou a pesquisa de doutorado. Na verdade, o objetivo dele era mostrar quão diversa é a iconografia das redes de dormir na arte, assim como seus respectivos contextos discursivos.
Mas, diferentemente da grande maioria das teses de doutorado feitas no Brasil que vão para as estantes, a de Raphael ocupa, de certa maneira, as galerias do Centro Cultural Banco do Brasil na exposição Vaivém. Nome bastante sugestivo para mostrar como a rede tem aparecido em quadros, instalações, vídeos, revistas em quadrinhos, livros e por aí vai ao longo dos séculos. Não há como negar o quanto é um elemento importantíssimo em nossa cultura.
A exposição que fica montada em Belo Horizonte até o dia 18 de maio mostra como a pesquisa do curador foi robusta. Tem registros desde o século XVI assim como contempla grandes nomes da arte brasileira de todos os tempos. Tem Tarsila do Amaral representando os modernistas, por exemplo, assim como Arthur Bispo do Rosário, Lasar Segall, Tunga, Hélio Oiticica, Cândido Portinari. São também inúmeros artistas do nosso tempo.
A seguir, destacamos alguns pontos para você ficar de olho ao visitar a exposição Vaivém no CCBB-BH.
A jiboia
Logo na entrada da exposição o visitante é surpreendido por três painéis de grandes dimensões. Eles foram criados especialmente para a mostra pelo Mahku – Movimento dos Artistas Huni Kuin. Narra a relação de povos indígenas com a rede. Observe que a cobra Jiboia aparece em todos eles, em geral, representando a margem para alguma coisa. As cores também chamam a atenção. Segundo o mestre dos Huni Kuin, Ibã a rede é local para troca de conhecimentos. É mesmo. Mas a exposição mostra tantos significados para a rede que só podemos dizer que trocar conhecimento é só um dos muitos usos. Tem representações da rede como lugar de descanso, de cura, de transporte e até para enterros.
Evolução da rede
A rede é uma invenção dos indígenas da América Latina. Os europeus só foram conhecer depois das invasões, mas logo cuidaram de disseminar a “tecnologia”. Aí, como você poderá ver na exposição, as redes passaram a aparecer em mapas, pinturas e afins. Antes da colonização as redes eram feitas de fibras naturais. Depois, as mulheres dos colonos adaptaram a técnica indígena e passaram a utilizar tecidos.
Hoje elas são feitas em tear mecânico ou elétrico com diversos tipos de materiais. No pátio interno do CCBB você poderá conferir essa variedade. Porém, apenas na instalação Rede Social você poderá se jogar. Ela foi pensada exatamente para isso: que as pessoas desconhecidas vivenciem a verdadeira rede social.
As seis partes
Vaivém foi pensada por Raphael Fonseca em seis partes. Como se trata de uma exposição que nasce de um trabalho acadêmico, observe as miudezas. As vitrines guardam muitas informações e também gravuras que ajudam a contextualizar. A exposição se divide em seis partes. Na primeira, por exemplo, a rede como resistência é representada por uma instalação feita em arame farpado de Aline Baiana (2016). São artistas que entendem a rede como um símbolo de luta pela sobrevivência das culturas indígenas. Não deixe de entrar na instalação escura de Armando Queiroz (2010). A mostra aborda, ainda, a rede desconstruída, a relação entre o público e o privado, o papel da rede durante o modernismo brasileiro e, por fim, o Nordeste.
Macunaíma
O livro de Mário de Andrade, claro, não poderia mesmo ficar de fora de uma exposição sobre a iconografia da rede. Tanto que Raphael Fonseca dedicou uma sala inteira à obra do modernismo brasileiro. Uma curiosidade revelada pelo catálogo da exposição: depois da independência do Brasil as redes começaram a ser vistas como “algo que ia contra o processo civilizatório”. Imagina! Foi aí que surgiu a associação da rede e da preguiça. Macunaíma, então, é personagem chave.
Nesta sala, a obra de Mário aparece na adaptação feita para o cinema pelo diretor Joaquim Pedro de Andrade, com Grande Otelo e também na linguagem dos quadrinhos. Na mesma sala fica o desenho de Tarsila do Amaral, Batizado de Macunaíma feito em 1956. É feito a lápis, está bem clarinho, mas dá para ver a rede.
Grandes Nomes
Se você for do tipo que visita a exposições só para dar um check em grandes nomes da arte, terá a oportunidade de ver vários. Tarsila do Amaral é apenas um deles. Tem também uma redinha criada e bordada por Arthur Bispo do Rosário. Uma das peças mais delicadas da exposição. Na mesma sala, está o conjunto de fotografias de Claudia Andujar. Vale destaque também a série de fotografias 100 Rede de Tunga. É fruto de uma ação política realizada pelo artista em 1997 em São Paulo. Por fim, tem Enterro na Rede, desenho de Cândido Portinari feito em 1943.