Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Casa do Saber perde mais de mil livros em ação da Prefeitura

Projeto de biblioteca ao ar livre funciona desde julho de 2018 no bairro Nova Suíça

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Muitas vezes é até difícil compreender porque a arte é tão atacada. Sabemos que quem tem uma convivência maior com a literatura, o teatro, a música e o cinema tem um modo muito mais crítico para o viver. Mesmo assim, por que isso ameaça tanto?

A questão vem à mente quando recebo a notícia que a Casa do Saber, um projeto ao ar livre, administrado com coragem por um ex-morador de rua, o Klinger Douglas, foi, mais uma vez ameaçada. Ou melhor, dilacerada.

A história desse espaço que oferece acesso a literatura gratuita para a população da regional Oeste de Belo Horizonte é antiga. Começou como moradia de alguém que não se encaixa em padrões. Klinger fez uma casa debaixo de uma árvore na esquina da Avenida Barão Homem de Melo e a Rua Maria Macedo.

Casa do Saber. Foto: Carol Braga/Culturadoria

Com dotes de artista plástico, o ex-cabeleireiro foi transformando o espaço em uma instalação artística. Mas, como para ser artista no Brasil é preciso ser resiliente, a casa/instalação de Klinger pegou fogo. Ele não desistiu.

Renascimento

Depois do incêndio, renasceu das cinzas como biblioteca, inaugurada em julho de 2018. O próprio Klinger participou de reuniões com integrantes da Prefeitura de Belo Horizonte e deu sugestões para a elaboração do projeto do espaço para os livros. “Eu pedi que fizessem em containers”, lembra.

Não foi feita assim, mas no formato de quatro estantes isoladas, com uma pequena cobertura. Como não havia nenhum espaço de sombra, pouco a pouco, Klinger foi dando o próprio jeito. A partir de doações recebidas, criou zonas que propiciassem um conforto maior para quem quisesse pegar emprestado algum livro, ler algo por ali mesmo ou fazer as doações.

A medida em que os livros foram chegando, novas prateleiras improvisadas também sugiram. Rapidamente a Casa do Saber ganhou uma proporção diferente. De acordo com Klinger, que administra o espaço com a ajuda de outras duas pessoas, o acervo chegava a 22 mil quando os fiscais da regional Oeste apareceram.

 

Klinger Douglas e a mensagem “Casa grande surta quando senzala aprende a ler”. Foto: Carol Braga/Culturadoria

 

Resistência

Na tarde da sexta-feira, dia 28, no meio de uma tarde em que ele estava sozinho, os fiscais chegaram com a alegação de que o projeto original da Casa do Saber estava se transfigurando. Entramos em contato com a Regional Oeste para pedir explicações mas os responsáveis não retornaram. De acordo com as regras da regional, tais adaptações feitas eram proibidas. Resultado?

Desmontaram prateleiras, levaram cerca de mil livros, desmancharam os tapumes criados para gerar a sombra. Quem quiser procurar um livro, vai ter que ser debaixo de sol forte. Ou seja, tem que querer. Muito.

O Culturadoria fica ao lado da Casa do Saber. Todos os dias em que chego para trabalhar, vejo um lugar vivo, frequentemente visitado por pessoas em busca de mais conhecimento, mais cultura. Por que isso poderia ser uma ameaça? A quem?

A Cultura não deveria ser tratada com a mesma régua de outras áreas. Será que não cabe um bom senso? Alô Secretaria de Cultura, Fundação Municipal de Cultura, não é possível fazer algo para defender esse projeto que já foi abraçado pela população dos bairros vizinhos?

Hoje a Casa do Saber está bem menor. Mas segue. Resiste. Ironicamente, enfeitada com as bandeirinhas do Brasil.

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