Integrante da equipe gestora da Associação Casa do Beco, Josemeire Alves Pereira fala sobre a experiência desenvolvida em conjunto com a comunidade do entorno
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Encerrada na segunda, dia 27 de novembro, a programação da Semana da Consciência Negra do Educativo do CCBB BH convidou, dentro da série de debates Chá entre Nós, a professora Josemeire Alves Pereira. Integrante da equipe gestora da Associação Cultural Casa do Beco e da Fazendinha Dona Izabel, Josemeire compartilhou, com o público presente, um pouco das experiências vividas nos espaços, localizados no Aglomerado Santa Lúcia. Vale dizer que ambos têm foco no desenvolvimento humano e social a partir de pilares como educação e cultura.
Com uma história protagonizada pelos próprios moradores, a Casa do Beco é pautada pela luta e pela conquista de um território de lazer e formação para a comunidade periférica. A reportagem do Culturadoria enviou algumas perguntas para Josemeire sobre os temas abordados no debate no CCBB BH.
Confira, a seguir, trechos da conversa
Inclusão
Primeiramente, gostaria de colocar a pergunta que acabou se constituindo a espinha dorsal do debate realizado no CCBB BH. Desse modo, com base na experiência da Casa do Beco, de que modo a arte ajuda a visualizar possibilidades de futuro mais inclusivas? Tal qual, a colocar, no centro da discussão, narrativas de territórios historicamente marginalizados?
Antes de mais nada, entendo que a arte, se considerada a partir de perspectivas de diversidade estética e epistemológica pode, sim, ajudar a configurar futuros de maior justiça e equidade social. As experiências artísticas e culturais protagonizadas pelas comunidades de favela, pelas coletividades negras, indígenas (e afro-indígenas), pelos grupos que põem em debate a também centralidade do gênero… Todas elas têm enunciado muito sobre outros futuros possíveis – e há muito tempo – para a sociedade brasileira. Mesmo sem serem ouvidas atentamente. No meu ponto de vista, a potência dessas produções está na maneira como produzem uma transformação no campo das narrativas e das representações que configuram a maneira como a sociedade se compreende. (Tal qual) as relações de poder e os projetos de país – que historicamente negligenciaram o reconhecimento da humanidade e dos direitos desses grupos, que foram (são) fundamentais para a construção do Brasil.
Presença na formação da cidade
Na conversa, você falou, claro, sobre a experiência na Casa do Beco e na Fazendinha Dona Izabel – que passou a ser gerida pela Casa do Beco em dezembro de 2022 –, a partir da consideração da inserção em Belo Horizonte como uma cidade negra. Queria que falasse mais sobre isso…
Entendo que não seria possível tratar dessas experiências sem considerar a história da cidade, constituída, desde o advento dela, no Curral Del Rei, a partir da forte presença de população africana e de ascendência africana produzindo o território, produzindo a experiência de cidade – para além da participação na construção física da cidade. Participação aliás, que, não raro, é ignorada social, academicamente.
O entorno
De que modo e em que proporção o entorno da Casa do Beco e da Fazendinha é afetado pelas atividades que se realizam lá?
Veja, é importante destacar que o trabalho desenvolvido pela Associação Cultural Casa do Beco há 27 anos é protagonizado, desde a origem, por pessoas do próprio Aglomerado Santa Lúcia. E que a esse trabalho se somam parceiros fundamentais (pessoas e instituições) tanto da comunidade quanto de fora dela. Do mesmo modo, a Fazendinha Dona Izabel existe como patrimônio de Belo Horizonte devido à iniciativa dos moradores. Foram eles que, em 1992, solicitaram o tombamento da edificação centenária.
O Conselho Municipal de Patrimônio acolheu o grupo, sensibilizado pela relatora do processo, professora Lídia Estanislau. Aliás, uma intelectual negra fundamental para a história das políticas culturais no Brasil. Isso, em um contexto em que não era nada comum considerar um bem como aquele, situado em uma comunidade negra de favelas, como patrimônio. Assim, a comunidade reivindicava o tombamento como forma de preservar o espaço, que fazia parte da história e das memórias locais. Nesse sentido, desejava que ali ele se estabelecesse como espaço cultural. Logo, com bibliotecas e atividades destinadas, em especial, a crianças e jovens. Faço esses registros para sinalizar que estamos falando de processos coletivos de mobilização da cultura. Portanto, feitos a partir de experiências, perspectivas e interesses de uma comunidade de favela. E isso revela a potência desses sujeitos para a construção de uma cidade mais justa.
Territórios
Como se estabeleceu a relação de vocês, da Associação Casa do Beco, com a Fazendinha?
Veja, a relação da Casa do Beco com a história recente da Fazendinha vem sendo marcada, desde os anos 2000, por uma atitude de escuta e de diálogo. Antes de tudo, especialmente com Dona Izabel, matriarca negra de uma das famílias que viveram no casarão. Assim, a instituição atuou também como mobilizadora da comunidade na interlocução entre Prefeitura. No caso, envolvendo a comunidade e a família de Dona Izabel, quando dos procedimentos necessários à realização do restauro.
O “aceite” da Casa do Beco para atuar como gestora da Fazendinha Dona Izabel, após o restauro da Prefeitura, foi também dialogado com membros da comunidade – em particular, com membros da família de Dona Izabel, que o balizaram. Assim, o envolvimento da comunidade se dá em todo esse processo. Tal qual, a partir deste momento pós-restauro, como propositora de atividades e, do mesmo modo, participante das atividades culturais realizadas pela Casa do Beco no espaço patrimonializado.