
Foto: Thiago Fonseca
Uma casa do saber ressurgida das cinzas. É assim que o morador de rua, Klinger Douglas, chama o novo espaço onde havia a Casa da Árvore que construiu e costumava encantar quem passava pela Avenida Barão Homem de Melo, esquina com a Rua Maria Macedo, no bairro Nova Granada, na Região Oeste de Belo Horizonte. A “residência”, que mais parecia uma instalação de arte, foi totalmente destruída pelo fogo em setembro de 2017. No espaço vago, foi construída uma biblioteca ao ar livre.
Klinger morava na Casa da Árvore com três amigos. Depois do incidente, ouviu da prefeitura o compromisso da construção de uma praça. Ele acreditou, mas com o tempo não levou muito a sério. Chegou a participar de umas reuniões, mas desacreditou que o projeto sairia do papel.
Na última terça-feira, dia 24, ao encontrar com uma amiga na rua recebeu a notícia que o espaço estava quase pronto. “Não sabia que estavam executando o projeto. Desde que destruíram minha casa não gosto de passar aqui. Fiquei mais triste por conta da mangueira. A casa em si não me doeu, os livros vão sendo repostos, mas a árvore não”, conta.
Casa do Saber Renascida das Cinzas
Quando Klinger chegou no local o susto foi ainda maior. As quatro prateleiras instaladas já estavam quase cheias de livros. Logo tomou conta de organizar tudo. Separou os exemplares por gênero. Nas prateleiras pregou estrelas prateadas, de material recilicado encontrado na rua. Os livros já estão quase todos carimbados com o novo símbolo do projeto. Uma casa com uma fênix dentro e os escritos ‘Casa do Saber Renascida das Cinzas’.
Klinger ainda não conversou com a prefeitura para saber como funcionará o projeto. O local também ainda não tem data para ser lançado oficialmente. Acredita-se que será em 30 ou 40 dias. Segundo a prefeitura, o investimento no novo espaço é de R$ 55 mil. Mesmo extra-oficialmente, o funcionamento da biblioteca está a todo vapor. Somente na sexta-feira, dia 27, o morador registrou a saída de 40 livros e já perdeu as contas de quantos entraram. Em resumo: quem passar por lá pode levar um exemplar. Quem quiser levar mais de um, deve deixar outro livro como doação.
Participação
A advogada Patrícia Oliveira, de 43 anos, foi uma das voluntárias que deixaram livros no projeto. Ela morava no bairro antes da casa pegar fogo e conhecia o trabalho. Após mudar de endereço, não tinha nem sido informada da destruição do local. Encontrou Klinger na rua ficou sabendo de tudo. Mesmo triste, ficou esperançosa após saber que no local havia sido construído uma biblioteca. Logo se encarregou de levar alguns exemplares para compor o acervo.
“Participo de projetos sociais e gosto de ajudar o próximo. Gosto ainda mais desse por conta da história. Acho bacana a ideia de doar e trocar os livros. Assim, fica acessível para toda a comunidade. Minha filha doa alguns livros para abrigo de adolescentes, e hoje, viemos trazer alguns exemplares para Klinger”, conta.

A família da advogada Patrícia Oliveira foi uma das que deixaram doações de livros para o projeto – Foto: Thiago Fonseca
Passado deixado para trás
O projeto de doação de livros funcionava desde quando Klinger se instalou no local com os amigos. Aos pés de uma mangueira eles construíram um abrigo. Com o tempo, o local foi tomando formas e se transformou em até ponto turístico, de educação e cultura. Um espaço onde as pessoas podiam trocar livros e semear o amor. Mas o projeto não foi bem visto por todos. Em setembro do ano passado os moradores do local receberam uma ordem de despejo. Mas, antes mesmo de saírem de lá, a casa pegou fogo. Até hoje não se sabe as causas do incêndio.
Klinger agora observa o novo espaço com olhos cheios de brilho e quer esquecer o passado. “A meta é continuar com os serviços que já existiam aqui, como por exemplo, o corte de cabelo e doação de livros e roupas. Mas quem sabe no futuro não vira uma ONG? Ou o projeto seja implementado em outros lugares? Imagina que bonito: todas as praças com quiosques a céu aberto, com um morador de rua tomando conta”.
O idealizador do espaço, mesmo com local para continuar o projeto, ainda vive na rua. Diz ele que o problema não é sair da rua, e sim, a rua sair dele. Nascido em João Monlevade, veio para BH aos 18, hoje está com 43. Aqui na capital mineira teve salão de beleza mas, segundo ele, os maus caminhos lhe fizeram ir parar na rua. Mesmo enfrentando tudo isso, se sente feliz em ter de volta o projeto e pretende tomar outros rumos na vida. “Estou muito feliz em me restabelecer na sociedade”, afirma.