Novela “Brancura” lançada pela Fósforo Editora caminha entre a realidade e o sonho e traz as marcas da escrita obsessiva do autor norueguês
Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura
Um homem dirige. Sem rumo ou ponto de chegada, ele apenas dirige ao acaso. Seguir até onde o carro quiser o levar é uma tentativa de escapar do tédio que havia se apoderado de si. O caminho ao desconhecido o leva para a estrada que atravessa uma floresta. Até que o automóvel empaca. No meio dessa floresta. Pela janela do carro, não havia horizonte. Apenas a repetição infinita, a perder de vista, das árvores. Ali, o homem terá uma experiência única, onde as fronteiras entre a realidade e o sonho – ou, talvez, o pesadelo – se borram, sem misturam, se contaminam. “Brancura” é o mais novo romance escrito e lançado no Brasil do escritor norueguês Jon Fosse. Com tradução de Leonardo Pinto Silva, o livro é um lançamento da Fósforo Editora.
Encarar a escuridão (e ser encarado de volta)
Não demora a escurecer. Da janela do carro, o homem olha para a escuridão. Do lado de fora, a escuridão, em igual medida, parece encará-lo. O início da neve adiciona uma nova camada de preocupação na mente do personagem. Agora, será ainda mais difícil procurar ajuda e desatolar o carro. Mas é preciso fazer algo, o tempo urge. Até que, ao deixar o automóvel, algo parece surgir no horizonte próximo. Algo luminoso. Um ser de uma brancura reluzente. Uma forma sem definição, mas que emana essa inesperada luz, isso é tudo o que importa dizer sobre tal aparição.
Neste breve romance de Jon Fosse – são por volta de 60 páginas apenas – o norueguês nos faz mergulhar numa história onde tanto o profundamente estranho quanto o profundamente familiar parecem se encontrar frente a este narrador perdido e isolado em meio à floresta. Se há este ser de uma brancura indescritível, outras aparições surgirão, colocando em suspenso a própria percepção da realidade daquele homem. Algo parece se esconder entre a vigília e o terreno do onírico e é justamente neste ponto que ele se encontra.
O ritmo particular do texto de Jon Fosse
Num texto de escrita obsessiva, Jon Fosse parece alcançar o sublime com esta breve narrativa. O norueguês é dono de um estilo muito próprio e singular. O uso da repetição – de conceitos, de ideias, de sensações, de frases – nos coloca num ritmo particular. Numa melodia textual que dita o ritmo da nossa leitura e a maneira como nos envolvemos e experienciamos o tédio, o frio, o medo e a transcendência sentidos por seu narrador. A escuridão nos encara tanto quanto encara o protagonista.
Pouco a pouco, adentramos uma espécie de transe narrativo, encarando um texto que constrói com brilhantismo o fluxo de consciência de um homem e suas obsessões, de um homem perdido não apenas em meio à escuridão de fora mas, sobretudo, àquela dentro de si. Um vazio, talvez, impossível de ser preenchido.
Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)