Criada em 2019, em BH, a Belina Orkestar tem se apresentado em diversos eventos da cidade, divulgando a cultura dos bálcãs
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Foi ainda quando integrava o Estagiários Brass Band, coletivo criado com a missão de fomentar os sopros de rua em BH, que o trompetista Pedro Guadalupe descobriu que outro componente do coletivo – Alexandre Planta – comungava com ele o interesse pela chamada música dos bálcãs (ou dos balkans, grafia usada pelos entrevistados, como se verá a seguir). Surgia, aí, o embrião do Belina Orkestar, grupo que vem fazendo bonito cidade afora.
“De início, tentamos direcionar o repertorio inicial da Estagiários para que incluísse algumas músicas balcânicas”, conta Guadalupe, ou Cap, como é chamado. No entanto, a complexidade dos arranjos e a pouca adesão a este estilo dentro do coletivo, cita ele, foram fatores que acabaram dificultando o intento dos dois. “Assim, quando percebemos que não iria rolar, eu e o Planta começamos a pensar em montar uma fanfarra de música balkan, mas isso, ali, como um projeto distante, que, na verdade, talvez nunca fosse acontecer”.
Entrada em cena
Bem, para ventura do público belo-horizontino apreciador desse estilo que vem do sudeste europeu, a Belina Orkester vingou. Assim, desde 2019 tem participado de eventos como o Savassi Festival, o Sensacional e, mais recentemente, do festival Gin/Cana e do Cine+10. Voltando ao início de tudo, Pedro Guadalupe/Cap fala do momento em que o projeto ainda era só um esboço. “Na fase de só pensar no projeto como um desejo distante e falar nele sempre em tom de brincadeira, o Planta brincava com a ideia de a gente virar nômades”, conta.
Nome
Assim, sair pelo interior de Minas em uma Belina (o carro), “com os instrumentos amarrados em cima, parando nas cidades para tocar com nossa fanfarra balkan”. No caso, fazendo referência ao povo nômade cigano do leste europeu que, a partir das músicas tradicionais, são a base da cultura bálcã. “E também (alusão) à capa do álbum da Fanfare Ciocarlia, que é uma das nossas bandas prediletas deste estilo. Eles têm esta capa icônica dentro de um carro – mas que, vale dizer, não parece uma Belina (risos) – com os instrumentos amarrados em cima”. A partir daí, os dois passaram a se referir à ideia da fanfarra como “o projeto Belina”. E o nome acabou ficando.
Formação
Hoje, a Belina reúne 32 integrantes, sendo quatro tubas, quatro trompetes, quatro trombones, quatro bombardinos, dois sax tenor, dois sax alto, um sax barítono, um sax soprano, duas clarinetas, uma flauta, um flautin, dois robocop, um bumbo, uma zabumba, um djembe e um porta estandarte. “Além de uma turma de pernaltas que, vira e mexe, nos acompanha. Somos uma fanfarra de música instrumental, não temos cantores”, pontua Pedro Guadalupe/Cap.
Mudanças
Ele entende que a Belina Orkestar mudou muito deste a criação de 2019 até hoje. “Assim, algumas pessoas saíram e, em contrapartida, outras entraram. Aliás, algumas conheceram a música balkan através da Belina e depois pediram para fazer parte”. Cap prossegue: “Tem integrantes que entraram na Belina por serem apaixonados por música balkan, bem como tem outros que se tornaram apaixonados por ela porque entraram para a Belina”. Atualmente, a faixa etária do grupo varia entre “20 e poucos e 50 e poucos”, diverte-se Cap.
Emir Kusturica
Juliano D’Angelo, o Juju, outro dos integrantes (caixa/robocop), é um dos que já escutava a chamada música balcânica muito antes de entrar para a Belina Orkestar. No caso de Guilherme Portugal (sax barítono), no entanto, foi o contrário. “Encontrar uma galera fazendo um som parecido com a trilha sonora dos filmes do (Emir) Kusturica (músico e cineasta sérvio), com arranjos ricos em instrumentos de sopro e expressividade sonora… Também não participei da formação, mas me apaixonei assim que (ou)vi”. Juju volta a assumir “o microfone”. “Boa, o Kusturica teve uma participação importante nisso, né?Foi a minha porta de entrada”.
O grupo Beirut, comandado por Zach Condon, é citado pelo integrante Pedro José, ou simplesmente Elfo (sax tenor), como o responsável pelo primeiro contato “com qualquer elemento da música dos bálcãs”. “Daí fui procurar outras coisas e me aprofundar no estilo. A primeira vez que ouvi o nome ‘Kusturica’, já estava na banda há uns dois meses (risos)”.
Estados diversos
Para Elfo, a característica mais marcante do som ao qual o Belina se filia é o jeito como as músicas misturam sentimentos, indo, por exemplo, da alegria à tristeza. “Nem sempre colocando os dois em oposição, mas como elementos que, conforme vão se misturando os vários tipos de alegria e de tristeza, vão gerando outros sentimentos”.
Assim, prossegue Elfo, há músicas no repertório do Belina Orkestar que podem remeter ao êxtase, tal qual ao espírito de festa, empolgação… Do mesmo modo, a um clima de melancolia. Já outras trazem o que ele nomina como “uma certa solenidade”. “Frequentemente, mais de um desses (estados) por música”.
Estranhamento
O trompetista Pablo Lima acrescentaria que uma das características da Belina é o fato de a maioria das músicas do repertório do grupo terem sido compostas para instrumentos de sopro e percussão. “Logo, foram pensadas para os instrumentos que tocamos, o que faz com que respeitem aspectos como a respiração, a necessidade de pausas para o descanso, os ‘beiços’ (no caso de trompetes)… Tal qual, um registro de notas confortável para tocar por muito tempo. Ou seja, é muito diferente de tocar versões de músicas que foram compostas para vocal ou para outros instrumentos”.
Cap arremata: “Eu entendo que a música balkan tem, como características, melodias rápidas e, muitas vezes, ritmos complexos, que causam ‘estranhamento’. E, às vezes, a Belina adapta para a realidade da banda. Ao mesmo tempo, tem, como característica, ser uma musica dançante e que, volta e meia, se aproxima de ritmos brasileiros. Então, o público normalmente estranha a melodia e o ritmo, mas, ao mesmo tempo, se deixa levar pela dança”.
Confira, a seguir, outros tópicos da entrevista
Repertório
Ao integrante Pedro Guadalupe, ou melhor, Cap, é dada novamente a palavra: “Tocamos, do estilo Brass Balkan, principalmente músicas tradicionais do povo Romani, Fanfare Ciocarlia, Goran Bregovic, Boban Markovic e Kocani Orkestar, além de algumas músicas tradicionais Klezmer”. A Belina Orkestar, prossegue ele, está começando a “brincar” no sentido de tentar composições próprias. “Porém, o repertório atual conta só com covers”.
Entre as músicas do repertorio da Belina, Cap destacaria, por exemplo, “Ederlezi”, canção tradicional Romani que celebra a chegada da primavera. Ou, ainda, “Kalashnikov”, música de Goran Bregovic que faz parte da trilha do filme “Underground”, de Emir Kusturica. Do mesmo modo, “Lieberman Funky Freylechs”, música tradicional klezmer.
Reação do público
“Sempre surpreendente e feliz, pois o som é incomum por aqui”, descreve Portugal, sobre a reação do público que assiste aos shows da Belina, acrescentando que uma boa surpresa é quando os integrantes vislumbram alguém cantando alguma música que está sendo executada ali, na hora. “Como um cara que chorou nos vendo tocar no Savassi Festival do ano passado. Depois revelou que não escutava algo parecido desde emigrar da ex-Iugoslávia no final dos anos 1990”.
Clarissa Miranda, a trombonista Charmander, endossa: “Acho bem marcante quando aparece alguém na plateia que tem alguma relação com o leste europeu e, assim, canta as músicas, chora etc”. Elfo emenda: “Uma vez, um cara viu a gente, já com os instrumentos e o figurino de apresentação, e veio me perguntar o que exatamente tocávamos. Na sequência, falou algo como: ‘Tipo Kusturica, assim?’. Ele era muito fã! E ficou chocado ao encontrar um grupo tocando esse estilo de música. E eu (fiquei) tão chocado quanto, com o fato de que alguém conhecia nosso repertório”.
Figurino
E já que a conversa adentrou o campo dos figurinos, Cap explica: “A gente fez uma pesquisa sobre as vestimentas e acessórios utilizados pelas fanfarras tradicionais da região dos bálcãs”. Ou seja, pelos povos Romanis, pela banda Klezmer… “Assim, trabalhamos com uma livre associação aos estilos tentando não alimentar nenhum estereótipo relacionado ao povo cigano ou judeu. Então, não chega a ter uma unidade no figurino, mas todos se vestem à maneira de cada um para uma apresentação de música balkan. Isso ajuda a entrar no clima”.
Projetos/sonhos
Cap é, mais uma vez, o incumbido a responder: “O plano é continuar nos divertindo com a música, ocupando espaços públicos com nosso projeto, melhorar nossa execução e, quem sabe um dia, participar do Guca Trumpet Festival, na Sérvia”. Em tempo: o Guca Trumpet Festival, explica Pedro Guadalupe/Cap, é o mais tradicional festival de música bálcã do mundo. “Ele acontece todo ano em uma pequena cidade da Sérvia (a que dá nome ao evento, e que fica a três horas de Belgrado), e atrai os principais grupos do gênero”.
Atualmente, por ser, como Guadalupe mesmo define, “uma banda amadora” e, assim, todos os integrantes terem um outro oficio como fonte de renda, o Belina enfrentaria uma certa dificuldade em se apresentar fora da capital mineira. “Mas já nos apresentamos no Honk! (Festival Internacional de Fanfarras Ativistas) duas vezes nas edições no Rio de Janeiro, uma vez na de Porto Alegre e, neste ano, pretendemos participar da edição São Paulo”.
Saiba mais no perfil do grupo no Instagram
Em tempo: a matéria usou a grafia bálcãs e balkans, propositadamente, para atender tanto ao modo como o grupo a emprega como para corresponder à grafia adotada no português do Brasil.