Pela primeira vez, o Bala Desejo se apresenta na capital mineira em um teatro: show será nesta sexta, 23, no Palácio das Artes
Patrícia Cassese | Editora Assistente
Um dos grupos mais aclamados da cena musical contemporânea está com uma turnê de despedida em curso. Na verdade, dois shows já ocorreram – em Goiânia e em Brasília -, e o terceiro será realizado justamente na capital mineira – precisamente, amanhã, sexta-feira, dia 23 de fevereiro, no Grande Teatro Cemig do Palácio das Artes. A banda em questão é o Bala Desejo, que, nascida no meio da pandemia (embora os integrantes já se conhecessem desde a infância), explodiu de forma avassaladora Brasil afora, o que resultou em um disco – “Sim Sim Sim” – cujas músicas caíram imediatamente no gosto do público.
Assim, seguiram-se shows lotados, em locais icônicos, como o Circo Voador. Neles, os fãs faziam questão de mostrar que sabiam de cor e salteado as letras. E não só no Brasil. A bordo do sucesso, Dora Morelenbaum, Julia Mestre, Lucas Nunes e Zé Ibarra também deram o ar da graça em vários outros países – até mesmo no distante Japão. Dada a má notícia – a despedida -, um alento: pode não ser um adeus definitivo.
Pausa, respiro, hiato
Na verdade, os quatro fazem um certo mistério, mas há fortes indícios que seja uma pausa. No caso, sem tempo determinado. E sim, ela se faz necessária. Seja para descanso, seja para darem continuidade aos projetos individuais, seja para somar a projetos de outros artistas. Porque, como quem acompanha esses jovens talentos bem sabe, antes mesmo de atrelarem as potências para fazer acontecer o Bala Desejo, os quatro já apareciam muitíssimo bem na fita em outras iniciativas musicais.
Projetos individuais
Aliás, mesmo no curso do Bala Desejo (o disco “Sim Sim Sim”, produzido por eles e por Ana Frango Elétrico, foi lançado em 2022), os quatro continuaram a turbinar outros projetos. Tanto que o o cantor, compositor e pianista Zé Ibarra foi o convidado de ninguém menos que Milton Nascimento no último show da turnê “A Última Sessão de Música”, realizado no Mineirão, em novembro de 2022. Mas, antes, ele já mostrava a que veio no grupo Dônica, que também contava com Lucas Nunes.
Cantora, compositora e guitarrista, Dora Morelenbaum, o nome já entrega, nasceu em um meio musical privilegiado, no quesito talento: ela é filha de Jaques e Paula Morelenbaum, e isso já diz muito. Em 2021, lançou o EP “Vento de Beirada”. Além de também ter integrado o Dônica (que, além dele e de Ibarra, contava, ainda, com Tom Veloso, Deco Almeida e Miguel Guimarães), o produtor e engenheiro de som Lucas Nunes foi coprodutor do disco “Meu Coco”, de Caetano Veloso, para citar um exemplo, entre tantos outros que poderiam ser lembrados.
E Julia Mestre, por seu turno, já lançou o EP “Desencanto” (2017), o álbum “Geminis” (2019), o EP “Julia Mestre canta Rita Lee” (2020) e, mais recentemente, “Arrepiada”. Na última quarta-feira, a reportagem do Culturadoria conversou com os quatro, em uma conversa por vídeo. Confira, aqui, a íntegra da entrevista:
Como surgiu essa ideia de uma pausa e o que ela efetivamente significa, já que, em algumas entrevistas, vocês têm deixado transparecer que, mais à frente, o Bala Desejo pode, sim, voltar?
Lucas Nunes – Olha, desde o início do Bala Desejo, cada um de nós já tinha os próprios projetos. A gente já trabalhava com outros artistas, ou também com as nossas próprias composições e discos. Assim, o Bala foi um movimento que cruzou a carreira de cada um de nós, e para o qual a gente deu uma prioridade. Mas sempre sabendo que viria o momento de encerrar o ciclo do “Sim Sim Sim”, deste álbum que a gente construiu junto no meio da pandemia. Assim, desde o início do Bala a gente sabia que esse momento ia chegar. Inclusive, a gente não esperava que fosse durar tanto. Obviamente a gente queria muita coisa com esse álbum, tinha certas pretensões. Só que a gente não imaginava que fosse surgir o Grammy, tocar em tantos festivais conhecidos, ir para Europa, ir para Japão, rodar o mundo fazendo esse show.
Assim, depois de tanta coisa, tantos shows, a gente decidiu chegar neste momento até para retomar os caminhos de antes de o Bala Desejo surgir. Estou falando dos projetos individuais. E até também para que esses projetos individuais, em algum momento, alimentem o Bala Desejo no futuro. Então, é isso, a gente sempre pensou nessa pausa. A gente sempre soube que ia acontecer. E achamos que esse seria o momento certo, início de ano, cada um já trabalhando nos próximos projetos. Agora, sem também deixar de comemorar e exaltar tudo o que aconteceu neste período todo. Então, a turnê é para a gente fechar com chave de ouro tudo isso que felizmente aconteceu com a gente durante estes dois anos.
Ou seja, não significa que lá para frente vocês não possam retomar o Bala Desejo…
Lucas – Sim (deixando entrever que os integrantes podem, sim, retomar o projeto BD)
Neste momento do ponto final (mesmo que seja do disco), quais os projetos individuais já nítidos no horizonte de cada um de vocês?
Zé Ibarra – Bom, eu, Dora e Julia estamos preparando novos discos, um de cada um, para lançar em breve. E o Lucas está fazendo produções, trabalhando ainda com Caetano e mais coisas por vir. É isso, seguindo a vida. Mas basicamente são projetos fonográficos. No caso de nós três, especificamente solo, e o Lucas fazendo disco e shows, dirigindo shows (como do Caetano) e produzindo músicas de outras pessoas.
Dora Morelenbaum – Na verdade, no percurso do Bala, a gente tentou – e continua tentando – ir conciliando a agenda do grupo com as nossas individuais. Tanto que, a Júlia, por exemplo, lançou um disco, Zé lançou também. Muitas outras coisas aconteceram ao mesmo tempo. Só que é muito mais difícil conciliar, e que seja uma coisa harmônica, para que tudo aconteça da melhor forma, com a energia que se deve colocar no projeto. Agora, acho que o objetivo é poder dar a energia devida para cada um desses projetos, para, se a gente voltar com um novo projeto para o Bala, ele venha com mais força, como veio o “Sim Sim Sim” para cada um de nós.
Zé Ibarra – Essa despedida do “Sim Sim Sim”… Talvez se fosse um projeto que não tivesse tido tanta força quando a gente lançou para o mundo, não precisasse dar esse tempo para se dedicar a outras coisas. Porque poderia ser um projeto mais tranquilo. Mas – e na verdade, graças a Deus – não foi, foi intenso. E, assim, engoliu as nossas vidas da melhor maneira possível. Agora, realmente, a pausa é um contraponto a um caráter, tipo, egoísta. Porque o Bala roubou a gente da gente (risos). E que bom! Mas foi muita coisa. A gente fez muita, muita, muita coisa. Assim, realmente a gente precisava dar essa pausa. Além do que, os discos têm um tempo no mundo. Fizemos num momento pandêmico, agora, dois anos depois, aquele discurso, ele já vai se tornando desconectado daquele momento, e a gente precisa de outra coisa, de algo novo para a frente.
Lucas – É isso! Nestes dois anos, cada um de nós fez três turnês. Primeiramente, cada um com o projeto solo. Depois, com o Bala Desejo. E às vezes outros trabalho, com outras coisas. A gente sempre gosta de formar parceria, principalmente eu, no meu caso, produzindo outros trabalhos. Por exemplo, eu com Caetano, assim como o Zé com o Milton Nascimento. E nisso, o Bala Desejo acontecendo, e a carreira individual de cada um acontecendo. Mas agora a gente precisa desse tempo, inclusive para descansar também. Ou seja, não é só estar com os projetos individuais, mas também descansar e pensar no que a gente pode fazer, criar.
A turnê chega agora a Belo Horizonte, mas vocês já fizeram dois shows. Como foi a vibe, a troca com o público…
Dora – Foi muito emocionante. Na verdade, em Goiânia, foi o nosso primeiro show. Assim, foi ao mesmo tempo uma estreia e uma despedida.
Lucas – E foi surpreendente, o público nos dois shows, tanto em Brasília quanto em Goiânia. A gente sentiu o púbico muito, muito junto, com tudo que a gente fez, e cantando, participando. Assim, a gente imagina que não será diferente em nenhum dos próximos lugares. Principalmente BH, que é lugar muito, muito importante para as nossas carreiras individuais, para o Dônica, que a gente participava antes de tudo isso começar. E, veja, um show no Palácio das Artes, esse lugar tão especial. Aliás, é a primeira vez que a gente faz (show) em teatro em BH – porque q a gente fez Autêntica, fez festival, das outras vezes. Então, agora, será neste lugar icônico, com esse clima de término, mas também da felicidade, do astral que o Bala sempre leva para os lugares. Acho que vai ser mais especial ainda.
Dora – Um teatro é o templo da música, um lugar onde as coisas acontecem de uma forma mágica, extraordinária.
Lucas – É o lugar de verdade para fazer a música acontecer. Aliás, música e teatro.
Dora – Quer dizer, a música vai acontecer em qualquer lugar, mas, ao mesmo tempo, o teatro tem essa carga especial. Então, é muito importante para a gente que esse último show do “Sim Sim Sim” aconteça em um teatro como o Palácio das Artes.
Julia – É um sonho saber que a gente vai com banda, equipe completa, levando iluminação, figurinos, enfim…
Lucas – Nossos sopros completos…
Julia – Então eu acho que vai ser um espetáculo, uma mistura forte de música e imagem, e tudo isso mesclado ainda com essa emoção de ser um encerramento. Então, vai ser uma noite muito especial. Estamos acompanhando as vendas, vendo que estão indo super bem, então, estamos só com o pensamento positivo para esta noite.
Lucas – Mas, veja, vai ter festa também. Não é porque vai ser em teatro que galera não vai poder levantar para dançar e curtir o show da maneira que quiser.
Julia – Exatamente, temos um histórico de público que sempre se levanta, independentemente do lugar. Todo mundo no final em festa, dançando.
Aliás, como está estruturado o show?
Ibarra – Veja, no geral, quando há tempo para fazer o show inteiro, a gente faz. Claro que, em festivais, é um show menor. Geralmente, a gente sempre faz ele assim: uma mescla do disco, com canções nossas fora do álbum e com algumas versões nossas. Mas, como disse, depende do tempo. Na verdade, a gente tem também o “Bala Baile Show”, que é uma franquia, uma festa que é uma loucura. Então, a gente toca várias músicas de vários lugares, vai incorporando no repertório, se tem a ver. Mas especificamente neste show de despedida, vamos incluir uma música do disco que a gente praticamente nunca tocou ao vivo.
Aliás, é um presente ainda mais especial para os mineiros: “Cronofagia (O Peixe)”, que é uma música das mais mineiras possíveis do disco. De alguma forma, foi feita como uma homenagem à música mineira. Assim, além do repertório e surpresinhas, vai ter essa música que é uma homenagem direta a Minas, a Belo Horizonte.
Vocês já se conheciam há muitos anos, na realidade, desde os tempos de escola. Como é a questão da convivência, do atuar em coletivo, posto que qualquer relação humana registra momentos em que ocorrem ruídos, rusgas… E que lição vocês levam consigo da experiência da amizade aliada ao profissional?
Julia – Acho que para além de uma pergunta que possivelmente já caminha para uma resposta esperada, de discussões, coisas assim, acho que pela primeira vez a gente pode viver uma amizade, uma relação na qual a gente já conhece os pontos mais profundos de cada um. A gente teve essa experiência de ver todas camadas de cada um. E eu acho que isso foi um trabalho muito importante, o de auto conhecimento e de convivência, de poder estar fazendo essa relação de trabalho, profissional, e de amizade. Acho que o maior ponto é sobre conhecer melhor o outro. Da mesma forma, se conhecer. Acho que é isso que a gente está tirando (da experiência).
Lucas – Concordo com tudo que a Julia disse, mas é muito complexo você pegar esse amor que a gente tem um pelo outro, de amizade, muito antes de qualquer coisa, e artístico, nas composições, em como cada um lida com a música, como cada um faz música. A gente sempre se conectou muito neste lugar. Claro, como a Júlia também disse, com altos e baixos no meio disso tudo. Mas penso que, durante esse tempo todo, com amizade e com o nosso trabalho , a gente aprendeu a lidar muito bem e ganhar essa maturidade. Ou seja, como fazer acontecer da melhor forma individualmente, para cada um de nós quatro, e coletivamente.
A gente até fala: o Bala Desejo não é cada um aqui, é a junção de nós quatro que dá esse quinto elemento. E entendo que isso tem muito a ver com maturidade, ao longo desse tempo todo. Assim, fico muito orgulhoso. Não há briga, não há nada disso. Aliás, talvez alguém possa pensar que o fim do Bala Desejo tenha alguma ligação com isso (brigas). Mas, no final das contas, a gente sempre se amou, sempre vai se amar. E a gente aprendeu a trabalhar com isso também.
Zé Ibarra – Até há brigas, mas, como já nos disseram, a gente tem as DRs mais elegantes do mundo, civilidade total (risos). É cartas na mesa, vamos conversar, porque também só assim que funciona. Isso é um lado bom de ser muito amigo. Aliás, o bom e o ruim de ser amigos andam juntos. Porque ser muito amigo faz com que tudo seja muito intenso. A gente se conhece profundamente, vê as coisas. Mas também faz com que a gente nunca desista. Assim, no final das contas, o saldo é positivo, porque se aprende, é uma maravilha. A gente leva para a vida toda, fica na gente, aquilo.
No curso deste tempo, desde a pandemia, qual foi um momento que ficou tatuado na memória de vocês?
Lucas – Para mim, acho que foi nos primeiros shows. Não necessariamente um específico, mas no início, quando a gente entregou o projeto que estava fazendo na pandemia. Porque na pandemia havia uma dificuldade muito específica. Não era necessariamente o jeito que a gente sempre gostou de criar e fazer projetos, que é da maneira mais coletiva de todas, apresentando para outras pessoas. Por mais que seja um projeto coletivo, ele nasceu muito no meio nosso.
E quando a gente expôs para o público de verdade – falo de lotar um Circo Voador, lotar casas de shows que são importantes para a gente… E a gente vendo a galera cantar as músicas que a gente tinha feito naquele momento de quarentena, foi uma alegria. Gente saindo do show cantando “Lua Comanche”, música que a gente tinha lançado cinco dias antes daquele show. Coisas desse estilo que impactam muito. Nós estávamos chegando a um lugar o qual a gente sempre desejou chegar, em relação a liberdade musical. E com uma certa popularidade também, de o público estar cantando e representando essas músicas junto com a gente.
Julia – Um momento que me marcou foi quando a gente fez um programa de TV, na Globo, o Caldeirão do Mion. Enfim, eu sempre tive curiosidade de ver como funcionam esses estúdios de televisão. E tem toda aquela loucura que é uma plateia ali, contratada, telões, ambiente de TV… Tudo muito rápido e tal. E aí, fomos cantar ao vivo e me tocou muito ver a reação espontânea de todo mundo ali, da equipe de TV e da banda. Como eles ficaram tocados com a música. E o apresentador também trouxe uma euforia. Quando vi aquilo ali, a gente em um lugar no qual.. Enfim, todo mundo cresce com a TV Globo ligada. Aquilo me bateu assim: “uau, a música que a gente fez tem esse poder, e esta chegando aqui e emocionando muita gente”. Enfim, marcou a trajetória.
Dora – Tenho dificuldade de citar um momento específico, mas, como a Julia falou, esse poder de conexão (que a música cria)… Acho que cada sorriso, com cada um deles, e com os músicos da banda, cada troca de olhar que eu tive, na qual percebi, naquele exato momento, que talvez a gente estivesse falando a mesma língua… Exatamente a mesma língua, com a pessoa com a qual estava me comunicando.
Ibarra – Pensando, vasculhando aqui, a memória, o que foi mais impactante para mim foi antes de a gente lançar o Bala Desejo. Ou seja, foi o processo criativo, que para mim foi muito intenso. Assim, muito difícil em muitos momentos e muito gratificante em outros. Criar as músicas, vê-las nascendo. Sempre quando uma música nasce, a gente dá uma tocada e a animação com a qual se toca a música que acabou de nascer já mostra um pouco como ela vai ser. E o Bala foi muito explosivo nesse sentido, quando nasceu. “Comanche” e, principalmente, “Baile de Máscaras”, aqueles meses foram insuperáveis na minha cabeça. Porque nunca vivi um troço tão rápido, forte e criativo. Pra mim, a maior alegria do mundo é a alegria da criatividade. Assim, o que mais me marcou foi antes de a gente lançar o disco.
Serviço
Bala Desejo – Belo Horizonte
Data: 23 de fevereiro
Local: Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro)
Ingressos a partir de R$ 80, na bilheteria ou no site Eventim.