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Um curioso olhar para a inevitabilidade da morte em “Baiôa sem data para morrer” de Rui Couceiro

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Lançado pela Biblioteca Azul, “Baiôa sem data para morrer” traz uma pequena comunidade interiorana de Portugal surpreendida por mortes repentinas

Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

Joaquim Baiôa é um velho faz tudo que toma para si uma missão hercúlea: impedir que o  vilarejo onde mora, no interior de Portugal, caia no esquecimento e desapareça. Ele quer impedir que a pequena cidade morra. Sozinho, o homem passa a recuperar casas abandonadas por famílias que outrora ali viveram mas partiram, sobretudo, em direção às grandes cidades. O desejo é que essas famílias, quem sabe, voltem a ocupá-las ao descobri-las recuperadas e que novas gerações possam reencontrá-las. “Baiôa sem data para morrer” é o primeiro romance do português Rui Couceiro, publicado pela editora Biblioteca Azul.

Fotografia digital de Rui Couceiro. Ele está em uma escada branca e olha para cima, em direção á câmera. É branco, tem cabelos e barba castanhos. Usa paletó marrom sobre camisa branca.
Rui Couceiro. Foto: Lucília Monteiro

Contra o esquecimento

O plano de Baiôa tem um primeiro resultado positivo quando um jovem professor resolve se exilar na casa dos avós, o lar onde cresceu a mãe, nesta singular comunidade chamada Gorda-e-Feia. Ali, o mais jovem passa a conviver com um inusitado grupo de moradores, capitaneados pelo mais velho. Aos poucos, um laço é criado entre o professor e Baiôa. Assim, eles passam a trabalhar juntos, recuperando algumas das construções um dia abandonadas, visando impedir o fim da pequena comunidade do Alentejo profundo português.

Mas, às vezes, a indesejada das gentes, como nomeou um dia Manuel Bandeira, tem seus próprios planos e é difícil – na verdade, impossível – impedi-los quando é chegada a hora. Se as casas, pouco a pouco, ganham nova existência, reaparecem recuperadas e viçosas, em velocidade maior, os moradores dali passam a aparecer mortos. Mortes das mais variadas formas e circunstâncias. E há um detalhe: Baiôa sabe exatamente – por vezes, com uma pequena margem de erro, para mais ou para menos – o dia em que cada velho morador de Gorda-e-Feia irá morrer.

“Baiôa sem data para morrer” é uma estreia sólida, de uma escrita carregada tanto de poesia, quanto de um bom humor. Rui Couceiro sabe trabalhar bem as muitas surpresas que a narrativa parece gestar, surpreendendo-nos ao longo de todo o volume. Parece haver sempre algo a se esperar nos estranhos acontecimentos que rondam essa pequena comunidade. 

Baiôa Sem Data Para Morrer. Capa: Editora Biblioteca Azul
Baiôa Sem Data Para Morrer. Capa: Editora Biblioteca Azul

Caráter universal

Narrada pelo jovem professor, que rememora a experiência vivida em Gorda-e-Feia, acompanhamos ali o nascer e o desenvolvimento de uma grande amizade no encontro entre dois homens: o narrador e Joaquim Baiôa. A partir desse encontro, muitas questões surgem no texto de Couceiro como, por exemplo, a morte, a velhice, a relação entre o passado e o presente ou o avanço da tecnologia que acompanha essa longa passagem do tempo entre diferentes gerações. Rui Couceiro desenvolve um interessante olhar para a velocidade da vida moderna em contraste ao lento caminhar da vida no campo. Ainda que singular em suas características, há um forte caráter universal tanto em Gorda-e-Feia quanto naqueles que a habitam. Quem sabe, essa comunidade em vias de desaparecer não poderia estar aqui, no interior de Minas Gerais? 

Se tem como protagonistas essa dupla inusitada de amigos, Rui Couceiro povoa seu romance com o mais variado e excêntrico possível grupo de personagens. Os moradores de Gorda-e-Feia parecem construídos a partir do delicado trabalho de um artesão, em profundidade, com suas próprias histórias que os levaram até aquele tempo presente que é compartilhado conosco. Assim, cada morte de “Baiôa sem data para morrer” é sentida. É difícil se despedir desses personagens ainda que, logo nas primeiras linhas, o narrador não nos deixe qualquer esperança. “O que pode o leitor tomar como certo é que os vi morrer a todos”. Taí um mérito de um grande contador de histórias: nos fazer importar por aqueles que tão cuidadosamente construiu.

Encontre “Baiôa sem data para morrer” aqui.

Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel.

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