Cantora, compositora e atriz, Augusta Barna foi uma das vencedoras do Prêmio Flávio Henrique, do BDMG Cultural
Diante das incontáveis vezes em que, na infância, alguém lhe confrontava com a clássica pergunta: “O que você quer ser quando crescer?”, Augusta Barna sempre se via sem uma resposta que lhe acorresse de pronto à mente. “Na verdade, dava um vácuo”, recorda-se ela, que, no entanto, desde cedo foi sagaz o suficiente para perceber que algo que adorava era transformar uma coisa em outra. Como pegar retalhos e, a partir deles, criar vestidos para suas bonecas. Apesar de, à época, ter dois irmãos, brincar sozinha também nunca foi problema para Augusta, que também adorava passar horas a conversar. Detalhe: sozinha, sem interlocutores.
Hoje, aos 20 anos, Augusta, a despeito da pouca idade, já percorreu uma estrada pouco convencional aos que são seus contemporâneos. E com um marco devastador pelo caminho: a perda de um irmão, evento que, compreensivelmente, foi seguido por um processo depressivo que afetou severamente os pais, a assistente social Elaine e o músico e fotógrafo Evandro. Mas, em meio ao luto, e à muita luta, pouco a pouco Augusta passou a não ter mais dúvidas quanto ao caminho que deveria trilhar: o artístico. Este 2023, aliás, ela já trilha com um disco na cartola: “Sangria Desatada”.
Prêmio Flávio Henrique
Augusta Barna é um nome a definitivamente se prestar atenção. Basta dizer que, recentemente, foi uma das agraciadas com o Prêmio Flávio Henrique, do BDMG Cultural. Neste ano, a láurea foi dividida: além de Augusta, foi dado também a Nath Rodrigues (aliás, outro nome para se tirar o chapéu).
Integrante do júri do BDMG Cultural, o cantor e compositor Makely Ka falou sobre as duas cantoras, em seu perfil no Instagram. Na parte em que se referia particularmente a Augusta, ele escreveu: “A jovem cantora e compositora surpreende com um disco (o citado “Sangria Desatada”) muito bem produzido, onde mostra uma maturidade incomum nas composições, com letras de densidade poética e melodias inspiradas, destoando do universo pop em que o trabalho se insere”.
E prosseguiu: “A variedade estilística também chama atenção, indo do pop mais dançante, passando pelo rap, o samba e a balada. Me parece um dos jovens talentos mais promissores da música produzida em Minas atualmente”. Nos comentários, foi a vez de Nath Rodrigues se pronunciar:” Feliz demais com essa notícia e sobre dividir esse axé com a Augusta Barna. Significa tantas coisas que ainda tô juntando os fios”.
Influência da mãe
Augusta Barna nasceu em Belo Horizonte, mas faz questão de ressalvar: “Morei a vida toda em Contagem”. Foi aos 12 anos que ela começou a descobrir a lavra musical de nomes que, hoje, elevou ao posto de ídolos, caso de Chico Buarque. Mas a história por trás da admiração pela MPB inclui um toque divertido, que vai ser contado aqui com a ressalva do “quem nunca?”.
É que foi ouvindo a mãe cantarolando a música “Como Nossos Pais”, lançada por Belchior em 1976, e imortalizada por Elis Regina no álbum “Alucinação”, que Augusta ficou instigada com um trecho da letra, que, de imediato, achou um tanto quanto sem sentido. “Minha mãe era muito fã da Elis. Então, me lembro direitinho de ela cantar esta música na cozinha, só que, em certo trecho, de um jeito errado”.
Sim, o trecho que Elaine estava cantando de modo equivocado chegou a ficar famoso no Brasil, porque foram milhares os que, na parte que eles canta “mas é você que ama o passado”, entenderam outra coisa. Precisamente, “mas é você que é mal passado”. Augusta recorda: ‘Mas a música está falando de um bife? Fiquei chocada. Não entendi e fui pesquisar no YouTube”. Ao se deparar com Elis, foi um choque. “Fiquei apaixonada”.
Em tempo: é preciso lembrar que, à época do lançamento da música, não havia internet. Assim, as pessoas só tinham acesso à letra consultando o encarte dos LPs. Havia, ainda, cursos de inglês pela cidade que – acredite – faziam promoções em rádios cujos prêmios, em alguns casos, eram as letras das músicas, impressas.
Luto. E luta
Elaine, vale dizer, exerceu uma influência preciosa na formação musical de Augusta, graças a seu ótimo ouvido musical. De Chico Buarque, por exemplo, Augusta começou a gostar graças à coletânea “O Cronista”, da mãe. “Ela escutava de cabo a rabo. E quando eu ficava sozinha em casa (minha irmã, Camila, hoje com 26 anos, ia para a faculdade, e minha mãe, trabalhar, eu ficava nesta pira, dançando na sala”, recorda a artista. Com outros artistas, como Rita Lee e Cazuza, o processo foi similar.
À época, a música por vezes era usada como alento, na tentativa de os quatro tentarem encontrar forças para ir em frente após a partida de Danilo Aurélio. O garoto fez a passagem aos 13 anos, após lutar contra um tumor (Glioblastoma) que Augusta conta ser muito incomum em jovens.
Aliás, entre o diagnóstico e a partida do irmão, passou-se apenas um ano. “Naquele período, fiquei tentando entender o processo pelo qual ele tinha passado, a morte. Até então, nunca tinha perdido alguém tão próximo”, conta ela.
A família acabou se mudando de casa, e Augusta, de escola. “Comecei uma vida nova”. Foi pouco depois que, pela primeira vez na vida, veio um pensamento à sua mente: “Falei: ‘Acho que sou artista’. E isso pelo canto, já que falavam que eu cantava como adulto. Não é que sabia fazer isso, sabia que tinha muito ritmo”. Foi também na adolescência que ela foi pela primeira vez ao teatro. E, ainda, se deu conta de que gostava muito de assistir a filmes no cinema. “Achava muito peculiar”.
Ah, sim: outra paixão da moça são os gatos. Ela tem cinco!
No Cefart
A música continuou sendo o combustível de Augusta (“era o que gostava, meu negócio na vida”). Só que, aos 15, veio a vontade de estudar teatro. À época, entrei no Ensino Médio e vi que nada estava saindo do lugar. Estava um pouco frustrada. Pensa que, se não começasse, nunca nada iria acontecer, muito por conta do contexto social que estava inserida”.
Foi quando ela se deparou com um chamado de inscrições para um curso no Cefart. “Como a filha da minha professora de Física estudava balé ali, ela me incentivou muito. Minha mãe, idem. Mas só ficava pensando: ‘Como vou chegar lá, fazer prova? Qual chance vou ter?’. Mas o destino foi gracioso com a circunstância – e passei no teste”, rememora Augusta.
Por lá, ela estudou quatro anos. Mas, logo no primeiro, ficou claro que era música que a seduzia mais. “E aí, me lembro que foi um ano no qual compus muito. As pessoas inclusive perguntavam: ‘Como você compõe se não toca instrumenta?”.
E foi no segundo ano no Cefart que Augusta conheceu o compositor e produtor musical Dudu Amendoeira. Augusta resolveu mostrar a ele – assim como à namorada do moço, Mari – suas músicas e, daí, saiu o projeto de seu primeiro EP. Mas foi só tempos depois que conseguiu aprovar o projeto na Lei de Incentivo. “Muita água rolou. De todo jeito, tem cinco anos que dedico minha vida à arte”.
“Cantora de Ruídos”
Lançado em janeiro de 2021, o EP “Cantora de Ruídos” (seis faixas, sendo cinco músicas e um texto) teve um bom desempenho no streaming. Em dezembro do ano passado, foi a vez de “Sangria” desembarcar. O show de lançamento aconteceu em abril, no Teatro Marília. “A gente esperou um pouco porque, em janeiro, as coisas ficaram mais mornas, por causa das férias. Mas acabou que aconteceram outras paradas, outras camadas de trabalho. Enquanto estava no streaming, muita gente vinha me falar que queria ver a performance ao vivo. Acabou sendo uma troca muito boa. Na verdade, está sendo muito intenso”.
A partir daí, Augusta Barna abriu show para a cantora Anelis Assumpção, na Autêntica, e participou da Festa da Luz. “Por isso digo que está sendo intenso, rolando uma energia muito alta. Acho que que também rola uma curiosidade, de muita gente que conhece o meu trabalho pela plataforma e fica intrigado para ver o que é aquilo na vida real. E eu gosto muito do palco, de estar no palco, fazer a parada acontecer. É total adrenalina. Na verdade, adoro o que me expõe.
Sobre o Prêmio
Neste mês, Augusta Barna fez um hiato na agenda para dar uma organizada na carreira. “É que soltei o disco para o mundo, mas não tive um profissional para organizar, pensar a distribuição não só para Minas. Não tive amparo”. Mesmo assim, ela conseguiu fazer muito, inclusive, um show no Rio. “Uma experiência incrível, a minha segunda ida lá. A primeira foi no ano passado, para gravar o clipe da música ‘Acaju’. Participei de um evento do mercado fonográfico no qual conheci pessoas do mercado fonográfico que já têm anos de estrada, como Gilberto Gil, Ivete Sangalo e mesmo Ludmilla”.
Sobre o prêmio Flávio Henrique, ela conta que, anteriormente, já tinha ganhado uma outra láurea, mas que era simbólica, em uma escola de teatro que estudava. “Mas nunca dessa forma, como com ‘Sangria Desatada’. Ter um disco feito com muito suor sendo distinguido numa premiação tão visada, é uma super honra. Nunca tinha passado por essa experiência.
Show poético-dramatúrgico
Produzido por Dudu Amendoeira, mixado por João Myrrha e masterizado por Chuck Leone, o álbum conta com os músicos Chico Bueno Amaral, Felipe dos Santos, Rodolfo Buarque – que compõem o line da banda – e participações especiais como o bandolinista Thiago Balbino e violonista Rafael Maia.
O show oficial de lançamento de “Sangria Desatada” aconteceu no Teatro Marília. O repertório incluiu, ainda, três músicas do primeiro EP, além de entremear textos. “Vejo como um show poético-dramatúrgico. Tem um lugar de poesia, mas também é teatral. É que escrevo muito. Além de música, gosto muito da escrita, e me propus a fazer isso, numa narrativa particular. Tenho a referência de a Maria Bethânia (fazer isso também no shows), e acho muito bonito. E como tenho essa lugar dentro do teatro, esse lugar do texto, da voz, essa coisa somada, também quis colocar ali dentro”.
Desobediente
Sobre o novo disco, que é autoral, Augusta falou sobre algumas das dez faixas, a pedido da reportagem do Culturadoria. Ela começa por “Homem Manifesto”, lembrando que, curiosamente, a música quase não entrou no disco. “E é uma que as pessoas mais gostam. Ela toca num lugar muito particular, traz reflexões mais intimas”.
Já “Desobedeça”, Augusta diz ser uma das que estão entre as mais ouvidas. “Ela fala muito da adolescente que fui, e que, na verdade, ainda existe em mim. Eu sempre fui muito desobediente, sempre fiz as coisas da forma que queria, que entendia. Sei que esse meu jeito, por vezes é incômodo, mas sempre soube que esse seria o jeito que eu iria caminhar”.
Na escola, por exemplo, ela diz que não se conformava com a orientação de que, diante da vontade de ir ao banheiro, ter que pedir permissão ao professor. “Sempre achei isso um absurdo. Assim, se me dava vontade, eu ia, simplesmente. Sempre ficava nessas regras aleatórias que não fazem sentido. Hoje, ainda sou jovem, mas um pouco mais adulta, então, minha desobediência está em outro nível, em outro lugar. De toda forma, essa música fala muito dessa narrativa. Não devo explicação, como tem sido no trabalho, mas estou consciente das consequência das minhas escolhas”.
“Olhares”, um gás
Ela fala, também, da faixa “Olhares”. “Não é a mais profunda, em termos de narrativa, mas é suingada, maravilhosa para dançar. Amo cantar ao vivo, eleva minha energia no máximo do máximo do máximo do máximo. Geralmente, é a segunda que canto no show. Penso que é importante estar no início, porque dá um gás absurdo para a plateia absorver o que vem depois.
No geral, ela diz que “Sangria Desatada” é um disco mesclado de linguagens. “Está no lugar do lúcido, mas também entra num lugar de reflexão. Ao mesmo tempo, no lugar do balanço, da festa. Fico pensando que o ‘Sangria’ é meio que uma mescla da neblina da noite e do raio solar”.
Processo orgânico
Perguntada se gostaria de acrescentar algo que não foi perguntado antes de encerramos o bate-papo, Augusta enfatiza que sua batalha é permeada por muito suor. Por isso, admite que ficaria feliz se o público olhasse com carinho para o seu trabalho. “Eu sabia que o disco ficaria legal, tinha essa expectativa”, admite. “Mas, mesmo tento jogado (o álbum) no mundo de forma bonitinha, não tive, como já disse, um amparo profissional. As coisas começaram a acontecer espontaneamente. E tudo isso tem sido muito surpreendente”
No entanto, Augusta não diz que não esperava. ‘De fato esperava que as coisas fossem caminhando para este lugar. Claro, a gente espera mesmo, é natural. Eu aguardava um retorno. Mas é aqui, de fato não tive dinheiro para divulgação, então, tudo o que aconteceu foi de fato orgânico”.
A artista finaliza: “Lancei no mundo o que fiz com muito carinho, e fico feliz por ele estar sendo bem recebido. Estou muito realizada ao ver pessoas me convidando para participar de produções maiores, de eventos. A gente vê a magia acontecer. É de fato uma honra”, brinda.
Em tempo: recentemente, Augusta lançou a Sangria Desatada Shop, com itens personalizados com a estética do trabalho. Os itens podem ser adquiridos pelo link disponibilizado na bio do Instagram da artista e fazem parte de uma coleção limitada, exclusiva para a temporada de circulação do show.
Ah, sim. Augusta será uma as atrações do Festival Sensacional, que acontece neste sábado, dia 24 de junho, no Parque Ecológico da Pampulha (av. Otacílio Negrão de Lima, 6.061, entrada principal).