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Rocco lança “Alvos em Movimento”, coletânea de textos de Margaret Atwood

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Livro reúne ensaios, críticas, recordações e “devaneios” da canadense Margaret Atwood, de “O Conto da Aia”

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Lançamento recente do mercado editorial, “Alvos em Movimento – Uma Coletânea de Trajetórias” (Rocco, 484 páginas, R$ 94,90) reúne todas as credenciais para agradar aos fãs da escritora Margaret Atwood – e, como sabemos, eles não são poucos.

Capa de "Alvos em Movimento", coletânea de textos de Margaret Atwood (foto: Patrícia Cassese)
Capa de "Alvos em Movimento", coletânea de textos de Margaret Atwood (foto: Patrícia Cassese)

Desta feita, o livro que sustenta o nome à frente do necessário “O Conto da Aia” não se envereda pela ficção. Trata-se, na verdade, de uma reunião de textos publicados pela canadense. Hoje aos 83 anos, Margaret Atwood, vale lembrar, também é crítica literária, tendo obtido, em Harvard, o título de mestre em Literatura.

Como a própria casa editorial indica, são textos escritos por Atwood entre os anos de 1982 e 2004 – a maioria, inéditos no Brasil. E de naturezas diversas: ensaios, críticas, prefácios, manifestos, recordações e “devaneios”.

O marco inicial sinaliza que alguns desses escritos vieram à luz antes do lançamento do mais emblemático livro de Atwood, que, como sabemos, saiu em 1985.

Ela começa a escrever “O Conto da Aia” em 1984, na Berlim Oriental. Atwood, aliás, conta que o fato de ter ido não só lá, mas a outros países que passaram por regimes totalitários – como a Polônia e a Tchecolosváquia – foi fundamental para a criação da atmosfera de seu grande sucesso.

Fenômeno “Handmaid’s Tale”

Protagonizado por Elizabeth Moss, “The Handmaid’s Tale” teve sua primeira temporada lançada em 2017, pela plataforma Hulu.

Elizabeth Moss em cena de “Handmaid’s Tale”, série que foi lançada pela plataforma Hulu

Logo, muita gente identificou pontos mostrados na distopia futurista de Atwood (no caso, dirigida por Bruce Miller), com os tempos atuais. Caso de comportamentos e pontos de vista que, para incredulidade geral, passaram a ser defendidos em escala crescente por uma ala mais conservadora da sociedade.

O início desta coletânea lançada pela Rocco traz a autora lembrando acontecimentos basilares dos anos 1980, como a Queda do Muro de Berlim.

Naqueles meados dos 1980, Margaret Atwood reconhece que chegou a sentir um certo deslumbramento diante do que parecia o “espetáculo do impossível virando realidade”.

Todavia, hoje a autora se penitencia: “Como estávamos errados quando ao admirável mundo novo em que estávamos prestes a entrar”, analisa ela.

Inclusive porque, também naqueles anos, um ano após a publicação de “Os Versos Satânicos” (1988), a fatwa contra Salman Rushdie era lançada. Não foi, claro, o único exemplo a dissipar sonhos.

Sobre livros

Profissionalmente, além de sua obra ter “avançado pelos intestinos da indústria do cinema”, como ela diz, o seu livro “Olho de Gato”, que versa sobre a pintora fictícia Elaine Risley, era anunciado como finalista do Booker Prize.

Como crítica literária, em “Alvos em Movimento”, Atwood explana sobre vários livros, como “As Bruxas de Eastwick”, de John Updike; “Roughing it in the Bush”, de Susanna Moodie; “Os Amores Difíceis”, de Italo Calvino; “Amada”, de Toni Morrison, e “A Jest of God”, da canadense Margaret Laurence. Aliás, sobre este último, Atwood diz ainda ter consigo o primeiro exemplar, da primeira edição, de 1966.

A parte II da obra é adentrada com os escritos feitos entre 1990 e 2000. Atwood segue analisando suas leituras, caso de dois contos de Thomas King. Por tabela, discorre sobre temas ligados aos povos originários e ao encontro (nem sempre cordial) desses com os brancos.

Outros livros que ela analisa nesta parte são “O General em Seu Labirinto”, de Gabriel García Marquez, e “Anne de Green Gables”, de Lucy Maud Montgomery. A poesia de Gwendolyn Macewen, a obra “Um Experimento de Amor”, de Hilary Mantel, assim como o gênero romance histórico canadense também são enquadrados por Atwood.

Terceira parte

Na terceira parte, que abarca o período de 2001 a 2004, ela analisa “Ela”, de H. Rider Haggard; “Cassino Blues”, de Elmore Leonard, e “Ao Farol”, de Virginia Woolf. Sincera que só, Margaret Atwood admite que quando leu pela primeira vez essa obra, aos 19 anos, não tinha bagagem suficiente para sorver tudo o que estava sendo dito ali. Quem nunca (se sentiu assim)?

Ela também dá suas impressões sobre a antologia “Ground Works”, de ficção experimental, e que reunia autores que surgiram na cena “mais rebelde” da literatura de seu país quase 40 anos atrás. Tudo isso, claro, contextualizando o grupo e o momento que o país vivia. Também cita George Orwell, com quem “cresceu”. É uma de suas influências confessas.

Atwood fala também de Carol Shieds, que, segundo a autora, entendia a vida “dos obscuros e desprezados”, em parte por tê-la vivido também.

Sobre o Canadá

Na coletânea de textos, Margaret Atwood também fala sobre algumas pessoas em particular, como o publisher Dennis Lee ou a escritora Marian Engel.

E, ainda, sobre seu país, o Canadá – em particular, sobre uma certa região: o norte. “O norte concentra nossas ansiedades. Ao nos virarmos para o norte, de frente para o norte, entramos no nosso inconsciente”, filosofa ela.

Assim, Atwood não deixa de fazer uma crítica sobre as mazelas que são fruto direto da atividade das indústrias madeireiras, deixando a floresta como “uma cortina às margens da costa, ponto de turistas, mas com tudo oco por trás”.

Ah, sim. Atwood volta a falar de questões ligadas ao meio ambiente na página 88, precisamente, no “Prefácio – The Canadian Green Consumer Guide”, no qual critica a sociedade do descartável.

À época, o mundo já defendia a retomada ao básico. E a filosofia dos três erres era cada vez mais defendida: reduzir, reutilizar, reciclar. Aliás, Atwood adiciona dois “erres” a este grupo. O primeiro, seria o erre de recusar – no caso, a comprar produtos poluentes, por exemplo. O outro, de repensar (comportamentos).

Família no contexto

A família da escritora entra em cena no capitulo “As Tias”. De início, diga-se, tias invisíveis, dado o fato de os pais de Atwood terem saído da Nova Escócia, seio do clã, em meio à Depressão. Portanto, a parte da família que por lá ficou só era acessada por meio de uma conferida nos álbuns de fotos.

Só na segunda infância de Margaret Atwood a família começou a de fato visitar o local de origem. E aí, a parte “mais cansativa”, diz a autora, era encaixar aquelas pessoas reais “na mitologia que eu possuia”. Ela referia-se, por exemplo, às tias, que chama de Tia J e Tia K.

“O Conto da Aia”

O capítulo “Nove Começos” é dos mais interessantes, primeiramente pelo fato de ela tentar responder, meio que por brincadeira, à pergunta: “Por que Você Escreve?” em nada menos que nove versões. Outro momento singular é “Nem Tão Grimm Assim: O Poder Permanente dos Contos de Fadas”.

A partir da página 126, Atwood tece mais comentários sobre “O Conto da Aia”. A canadense assinala sobre este tempo (o atual) em que, paradoxalmente, achamos as distopias muito mais críveis do que as utopias.

Logo, Atwood confessa que, mesmo a sua obra tendo a ação fixada no futuro, nem todos os elementos inseridos na narrativa eram vistos por ela mesma, no processo de escrita, como “ficção”.

“Defino ‘ficção científica’ como a ficção em que primeiramente acontecem coisas que não são possíveis na atualidade”, escreve Atwood. Algo como uma viagem no tempo ou “a descoberta de monstros verdes que habitariam outros planetas e galáxias”.

“Em ‘O Conto de Aia’ não acontece nada que a raça humana já não tenha feito em algum momento do passado, ou que não esteja fazendo agora, talvez em outros países”. Duvidar das palavras de Atwood, quem há de?

Capa de “Colchão de Pedra”, livro de contos de Margaret Atwood também lançado pela Rocco

Em tempo: antes de “Alvos em Movimento”, o último livro de Atwood lançado pela Rocco foi “Colchão de Pedra”, coletânea de contos no qual ela, inspirada nas tradições góticas clássicas, revela facetas grotescas e perversas da humanidade.

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