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“As Sereias de Haarlem”: Quadrinho resgata a história de três jovens símbolos da resistência contra no nazismo

As sereias de Haarlem (Créditos Editora Nemo)

As sereias de Haarlem (Créditos Editora Nemo)

Lançamento da Nemo, As Sereias de Haarlem é terceira obra escrita por Felipe Pan lançada pela editora

Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura

A Editora Nemo acaba de lança “As Sereias de Haarlem”. Quadrinho que resgata uma história real, com roteiro de Felipe Pan e arte de Gio Guimarães.

Essa é a terceira obra roteirizada por Felipe publicada pela editora. Depois de “Gioconda” e “O Menino Rei”, os trabalhos realizados ao lado de Olavo Costa e Mariane Gusmão.

As Sereias de Harleem

Hannie Schaft, Truss Oversteegen e Freddie Oversteegen. É muito provável que você não conheça esses três nomes. As três adolescentes são símbolos da resistência e da luta frente ao nazismo durante a ocupação alemã nos Países Baixos na Segunda Guerra Mundial. Integrando grupos de resistência, as jovens realizaram verdadeiras missões de vida ou morte. Liquidando soldados nazistas e salvando a vida de judeus vítimas da perseguição alemã.  “É preciso muito mais do que só coragem. Precisa estar disposta a cruzar limites. A embarcar em um caminho de onde não há volta. Não estamos lutando contra seres humanos racionais. E, numa guerra, não há outro jeito de lidar com eles… a não ser liquidá-los.” A fascinante história do trio é contada no quadrinho “As Sereias de Haarlem”, de Felipe Pan e Gio Guimarães.

Intercalando as trajetórias das três personagens dentro dos movimentos de resistência, As Sereias de Haarlem desenvolve um retrato instigante da participação feminina dentro desses grupos e o quanto, além de combaterem um inimigo em comum – o Nazismo e sua máquina mortífera – tais figuras precisaram lutar contra a invisibilidade e o machismo, dois elementos fundamentais para o próprio apagamento de suas histórias para um público maior ao longo de décadas.

Aquarela

A arte em aquarela de Gio Guimarães dá corpo e vida ao roteiro ágil, marcado tanto pelo drama quanto por uma tensão crescente, de Felipe Pan. Trabalhando com tons de preto e branco, a arte é primorosa tanto na construção de cenários, quanto no desenho de retratos – às vezes, ocupando uma página inteira – das protagonistas. O preto e branco aqui só é invadido pelo vermelho: a cor do sangue, a cor da das faixas com a suástica nos braços dos soldados nazistas, a cor de um lábio carmim e, principalmente, a cor do cabelo de Hannie Schaft, sua marca registrada.

Unindo a arte dos quadrinhos com a ficção histórica – e boas pitadas de ação e suspense – “As Sereias de Haarlem” é um resgate bem vindo e, sobretudo, necessário. Quando os ares do obscurantismo se mostram cada vez mais sufocantes no mundo contemporâneo, o trabalho de Felipe e Gio diz tanto do passado quanto do presente. “Sempre haverá aqueles que louvarão a violência… e desdenharão dos nossos ideais. Mas nossa luta continuará. Temos que garantir que o inferno que vivenciamos jamais retorne”.

O Menino Rei

Uma criança se vê diante de um desafio inimaginável, sobretudo frente à sua pouca idade: liderar todo um reino, após a morte de seu pai, Akhenaten. O pequeno faraó, se mostrará um verdadeiro líder, ultrapassando os séculos e mantendo vivo interesse em torno de sua figura ao longo da história. Ele é Tutankhamun, ou, como o conhecemos, Tutancâmon. “O Menino Rei” é um quadrinho do trio brasileiro Felipe Pan, Olavo Costa e Mariane Gusmão.

Logo ao assumir o reinado, Tutancâmon se vê diante de um dilema: seguir os passos do pai, que ousou romper com as tradições seculares de um regime politeísta, causando a fúria de muitos e colocando em risco o próprio trono – um lugar disputado às escondidas por inúmeras forças – ou abandonar o legado do pai, retomando as raízes de um reino baseado na idolatria à múltiplos deuses. Em certa medida, o jovem opta por um interessante equilíbrio entre os dois modelos, buscando, assim, uma reaproximação com os súditos para o fortalecimento de seu poder.

O menino rei  (Cre?ditos Editora Nemo)
O menino rei (Cre?ditos Editora Nemo)

Mistério e conspiração

“O Menino Rei” traz uma trama de mistério e conspiração de grande nível. Felipe Pan desenvolve um roteiro que instiga e surpreende, mergulhando nos bastidores do poder, onde intrigas, alianças e, sobretudo, traições são as palavras-chave. O roteirista transforma a 18ª Dinastia Egípcia em uma história acessível ao leitor, mesmo com os inúmeros personagens e acontecimentos que a acompanham, trazendo um equilíbrio entre os registros e evidências históricas e a boa e velha imaginação – materiais essenciais para que a ficção histórica traga à vida personagens e eventos de séculos atrás. 

Outro ponto que se destaca na narrativa é o mergulho no conflito entre as crenças e tradições que o jovem faraó se vê empurrado. Ao longo de cada capítulo, acompanhamos Tutankhamun como um rei solitário: não há nada, nem ninguém, além dele e as decisões que tomou em vida, para defendê-lo em um julgamento pós-morte frente aos deuses egípcios. 

A arte de Olavo Costa é virtuosa, com traços marcantes e com muito movimento, atenta aos detalhes. E o que não falta numa história sobre o Antigo Egito são detalhes: das roupas e das construções palacianas, aos hieróglifos que se espalham por diferentes ambientes. As cores de Mariane Gusmão são incrivelmente vivas, trabalhando bem a passagem entre tons saturados dos acontecimentos públicos do reino e os jogos de luz e sombra que marcam os seus bastidores. Destaque, ainda, para algumas páginas duplas especialmente bonitas, como aquelas que retratam dois momentos singulares: a participação do Faraó em duas batalhas, uma em vida e outra pós-morte.

Resultado de uma pesquisa de quase dez anos, “O Menino Rei” não procura ser didático, o que poderia torná-lo enfadonho, trazendo uma trama intrigante e envolvente acerca daquele que, talvez, seja o faraó mais celebrado e conhecido de toda a história.

Gioconda

E se a obra de arte mais importante e mais conhecida da cultura ocidental ganhasse vida? E se a dona do sorriso mais famoso do mundo andasse de metrô pelas ruas da cidade luz? De certa forma, é com essa possibilidade que “Gioconda”, quadrinho do trio Felipe Pan, Olavo Costa e Mariane Gusmão, flerta. A obra acompanha uma inusitada e sensível história de amor, entre um brasileiro e uma italiana pelos trilhos e ruas de Paris e pelos corredores do Museu do Louvre.

Gioconda (Créditos Editora Nemo)
Gioconda (Créditos Editora Nemo)

O protagonista

Francisco é um jovem faxineiro brasileiro que trabalha no Museu do Louvre. Ele mora na capital francesa desde a infância, ao se mudar para o país junto com a mãe. Uma vez por ano, um passeio obrigatório entre os dois era ir ao Louvre para visitar sua obra mais importante. O fascínio da infância o acompanha na vida adulta, levando-o a trabalhar ali. No trabalho, o espaço sob sua responsabilidade no museu acaba sendo justamente aquele mais disputado pelos visitantes: a Ala Denon, onde está localizada a Monalisa, ou La Gioconda, de Leonardo Da Vinci. Diariamente, quando o museu é fechado para o público, Francisco tem uma oportunidade única: ter a Monalisa apenas para si. Enquanto realiza seu serviço, o brasileiro conversa com a dona do sorriso enigmático.

Os poucos amigos de Francisco, todos brasileiros, brincam com o fato do faxineiro ser apaixonado pela Gioconda. Até que uma mudança no museu, o obriga a trocar de responsabilidades, tornando-o responsável pela limpeza da ala dedicada às obras do Antigo Egito. Ao voltar para casa após mais um dia de expediente, enquanto lidava com a frustração dessa mudança, ele tem seu olhar fisgado por uma jovem, sentada no mesmo vagão do metrô que ele. A jovem é estranhamente parecida com sua musa, na fisionomia, no olhar e, sobretudo, no sorriso curto e misterioso.

Aproximações e coincidências

Acompanhamos em “Gioconda” essa segunda paixão de Francisco. Se antes, o personagem vivia num estado de profundo encantamento com uma obra de arte, agora ele enxerga essa obra ganhando vida nos gestos, nas marcas e na história familiar de Elisa, uma italiana que mora com o pai em Paris. O quadrinho desenvolve um interessante quebra-cabeça, repleto de aproximações e coincidências, que levam o protagonista a duvidar daquilo que está vivendo. Junto com ele, tentamos juntar suas peças, quando a realidade parece tomada por traços surreais. Quanto mais soubermos sobre a história de Leonardo Da Vinci e sua magnus opus, melhor, mas o roteiro do quadrinho faz um ótimo serviço em apresentar pontos essenciais de sua biografia. 

“Gioconda” é um interessante olhar para a nossa relação com a arte e a possibilidade de um êxtase único no contato com o fazer artístico. Destaque ainda para a narração da obra, a cargo da própria Monalisa, que reflete sobre o amor, a arte e sua relação com o público. É singular imaginar a Gioconda no lugar daquela que observa, e não apenas da que é observada por milhões de pessoas anualmente. 

Conclusão

Lançando mais perguntas do que respostas, o roteiro de Felipe Pan é instigante, chamando o leitor a ligar os pontos da história. Os traços de Olavo Costa e as cores de Mariane Gusmão constroem uma Paris que parece nos pedir para ser enquadrada, como uma obra de arte. Dê especial atenção aos quadros que ocupam páginas duplas e as passagens de Francisco e Elisa nos vagões. Às vezes, a maravilha está ali, no nosso cotidiano, numa rotineira viagem de metrô. Só precisamos enxergar. Não apenas ver, mas verdadeiramente enxergar. 

Encontre “As Sereias de Haarlem” aqui.

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Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)

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