Arte subdesenvolvida reúne trabalhos de artistas renomados que pensam a condição de subdesenvolvimento. Mostra fica em cartaz até 18 de novembro, no CCBB-BH
Por Carol Braga
Mostrar como os artistas brasileiros discutiram por meio de diversas linguagens o conceito de subdesenvolvimento. Essa é uma das premissas da exposição Arte Subdesenvolvida, com curadoria de Moacir dos Anjos. Mas a nova exposição em cartaz até 18 de novembro no Centro Cultural de Belo Horizonte também é, na prática, uma aula de história do Brasil, permeada pela arte.
Ao longo do percurso por 130 obras, criadas entre os anos 1930 e 1980, a mostra faz um convite ao visitante a pensar a estreita relação entre arte e política. A provocação vai além disso. Também chama a atenção para o modo – às vezes torto, de mãos dadas com a performance – como muitos artistas do século XX usaram diversas linguagens para denunciar, para criticar, para inquietar.
Conjunto
Arte Subdesenvolvida apresenta 130 trabalhos, de 40 artistas. Entre eles estão, por exemplo, obras de Abdias Nascimento, Candido Portinari, Carlos Lyra, Carlos Vergara, Carolina Maria de Jesus, Cildo Meireles, Eduardo Coutinho, Ferreira Gullar, Graciliano Ramos, Glauber Rocha, João Cabral de Melo Neto, Jorge Amado, Lygia Clark, Paulo Bruscky e Rachel de Queiroz.
Para o curador, Moacir dos Anjos, apesar de hoje em dia quase não se usar mais o termo “subdesenvolvimento” ou “país subdesenvolvido”, as questões que definiam esse conceito continuam presentes e são importantes para serem pensadas e refletidas. “Isso vale não só no campo da arte, mas também na cultura, política, educação, saúde e todos os outros campos que influenciam a nossa vida”, diz.
Múltiplas linguagens
É interessante como a exposição no CCBB realmente tenta mostrar que essas questões mobilizaram todo o campo artístico, não apenas a literatura ou as artes visuais, mas também o cinema, a música e o teatro. “Esses eram temas que importavam para todos esses artistas enquanto cidadãos do seu tempo”, destaca Moacir.
Segundo ele, os artistas estavam preocupados com aquilo que mais caracterizava e afligia boa parte da população do país. Portanto, essas eram questões que precisavam ser enfrentadas e superadas para se alcançar um país mais justo e menos desigual.
Brasil Contemporâneo
Embora seja muito interessante estar diante de obras tão emblemáticas da arte contemporânea brasileira, como a bandeira criada por Helio Oiticica, por exemplo, a continuidade da discussão proposta.
Sonhos de Refrigerador, obra montada no pátio principal do CCBB-BH, do artista plástico de Contagem, Randolpho Lamounier, é uma das protagonistas da exposição. Não apenas pela dimensão que tem (ocupa o Pátio inteiro e não dá para passar despercebida), mas principalmente pela carga de significados.
“Enquanto o restante da exposição oferece uma espécie de percurso histórico sobre o Brasil, com foco no período dos anos 1930 ao início dos anos 1980, essa obra traz um olhar sobre o Brasil contemporâneo. Ela conecta a produção artística do passado com a produção do presente, mostrando como algumas questões continuam relevantes e precisam ser compreendidas e enfrentadas, apesar de hoje em dia o termo “subdesenvolvimento” não ser tão usado”, comenta o curador, Moacir dos Anjos.
O processo criativo
Randoplho Lamounier conta que quando recebeu o convite de Moacir, pensou nos espaços que seriam ocupados. Em um segundo momento, idealizou o conceito. Pensando em como responder ao tema principal, ele sempre teve muito claro que queria abordar a ideia de subdesenvolvimento, mas sem falar diretamente dele.
Foi aí que Randolpho pensou em criar um jogo de espelhamento. “Para tratar da ausência, eu mirei no desejo. Falei do desejo de possuir, de consumir, de ter, de experienciar e vivenciar, mais pautado nesse lugar do consumo. Ou seja, são desejos de consumidores, não de cidadãos. Não são sonhos coletivos, não são sonhos de um país; são sonhos pessoais, individuais, de consumidores”. Em resumo: Sonhos de Refrigerador investiga o que a classe trabalhadora do Brasil, neste momento, sonha em ter ou viver.
Da família para o mundo
Randolpho Lamounier começou o trabalho entrevistando os pais, antes de partir para pessoas desconhecidas. O artista conversou com trabalhadores em geral, pessoas que encontrava pelo caminho: motoristas de Uber, de táxi, entregadores de iFood, pessoas que trabalham no prédio onde mora, trabalhadores do prédio onde trabalha, comerciantes.
“Para mim, quem já é rico e já tem tudo, o fato de sonhar, o exercício de sonhar é menos importante, porque está tudo mais fácil. Eu queria saber o que as pessoas que vivem do seu próprio trabalho desejam ter”.
Cada frase ganhou um suporte diferente. Tem colagem, pintura, neón, infláveis e vários outros estilos. Uma outra curiosidade é que em cada cidade que a obra chega, novas participações são incluídas. Na extensa lista de desejos, tem quem queira ser influenciador digital, ter um sítio, férias sem fim e diversos outros “sonhos” particulares.
Para o curador, Moacir dos Anjos, Sonhos de liquidificador atualiza algumas questões relacionadas ao subdesenvolvimento no país. “É um trabalho que aborda as faltas e desejos das pessoas no Brasil de hoje, como o desejo por trabalho, melhores condições de vida, e a possibilidade de viajar e visitar amigos. Dessa forma, a obra se articula com a questão do subdesenvolvimento, que também é uma condição de falta”, conclui.
EXPOSIÇÃO ARTE SUBDESENVOLVIDA
Data: Até 18 de novembro de 2024
Local: Pátio e Galerias do 3º Andar do Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte
Endereço: Praça da Liberdade, 450 – Funcionários – BH/MG
Funcionamento: aberto de quarta a segunda, das 10h às 22h.
Ingressos gratuitos: disponíveis em ccbb.com.br/bh e na bilheteria física do CCBB BH.