Regido pelo italiano Roberto Andò, e com Toni Servillo, o filme seguem em cartaz na capital mineira
Patrícia Cassese | Editora Assistente *
Em cartaz no Cineart Ponteio, “A Estranha Comédia da Vida” (“La Stranezza”), de Roberto Andò, tem fortes chamarizes que transcendem o fato de o elenco ser capitaneado por Toni Servillo. O ator, hoje com 64 anos, vale lembrar, tornou-se bastante conhecido no Brasil por atuar em filmes como “A Grande Beleza” e “A Mão de Deus”, ambos sob a direção de Paolo Sorrentino. Com o primeiro, lançado em 2013, subiu ao palco na cerimônia do Oscar 2014, já que o longa venceu a categoria Filme Estrangeiro. Mas outro imã de “A Estranha Comédia da Vida” é a somatória de indicações ao prêmio David di Donatello, um dos mais importantes daquele país.
Na produção, que estreou na 17ª edição do Festival de Cinema de Roma, em outubro do ano passado, Servillo dá vida a ninguém menos que o dramaturgo, poeta e romancista Luigi Pirandello (1867- 1936). Especificamente, flagrado enquanto passa por uma crise criativa e em uma viagem à Sicília. Em meio a estes eventos, surge o embrião de “Seis Personagens à Procura de Um Autor” (1921), revivido por Roberto Andò. Uma dramaturgia que, vale lembrar, quebrou padrões.
Andò
Diretor, roteirista, dramaturgo e autor italiano, Roberto Andò, 64, nasceu em Palermo, na Sicília. Vale lembrar que o relacionamento profissional com Servillo já havia rendido bons frutos em filmes como “Viva a Liberdade” e no thriller “As Confissões”. Recentemente, dirigiu “O Caravaggio Roubado”, também exibido no Brasil. Em meio a uma agenda de entrevistas com jornalistas brasileiros, Andò conversou com a reportagem do Culturadoria, com intermediação da jornalista Flávia Guerra. Confira, a seguir, alguns trechos.
O início
Andò, inicialmente, gostaria de saber como acorreu, à sua mente, a ideia do argumento do filme “A Estranha Comédia da Vida”?
Veja, inicialmente, é preciso lembrar que não há nenhum documento que nos diga exatamente o que aconteceu no período focado pelo filme, mas a história é uma, digamos assim, ficção que se estrutura sobre alguns dados reais, fatos que são conhecidos sobre a vida de Luigi Pirandello. Ou seja, o filme foi estruturado a partir de alguns dados reais. Um exemplo é a viagem que Pirandello empreendeu naquele ano (1920) para o aniversário dos 80 anos de (do escritor e dramaturgo) Giovanni Verga.
Assim, imaginei que, naquele ano, quando ele chega à Sicília, para a homenagem a Verga, que aconteceria no Teatro Massimo Vincenzo Bellini, tem a notícia da morte da ama, a mulher que cuidou dele quando criança, Maria Stella (interpretada, no filme de Andò, por Aurora Quattrocchi). Daí, passei a imaginar esse homem primeiramente num acerto de contas com as suas raízes. E então surge o contato dele com dois agentes funerários, Onofrio Principato (Salvo Ficarra) e Sebastiano Vella, o Bastiano (Valentino Picone), que, além do ofício, são também atores diletantes.
E, na verdade, estão ensaiando um novo espetáculo. Eles se encontram em um momento no qual Pirandello está em um momento crucial do seu processo criativo. Assim, já tem, em mente, o esboço da história que resulta em “Seis Personagens”, mas, até então, não sabe como fechá-la. Desse modo, o personagem passa a se encontrar com esses dois e, sobretudo, assistir aos ensaios (Andò se refere à peça em andamento). E o intercâmbio que acontece entre o palco e a plateia, ali, à frente de seus olhos, lhe faz entender que é possível misturar as cartas entre a fantasia e a realidade. Então, eu imaginei que esse filme acabasse com a apresentação, em Roma, no Teatro Valle, de “Seis Personagens”, e esses dois agentes funerários fossem convidados. E só ao final se entenderia que talvez eles não existissem senão na mente de Pirandello. Desse modo, seriam também criaturas frutos da imaginação dele.
Ficção e realidade
Andò, você tem dito que a história contada na tela transcende a figura de Pirandello. Em que sentido?
Veja, no filme, como dizíamos antes, essa relação entre a ficção e a realidade se processa efetivamente de uma maneira muito sutil, quase impalpável. Ou seja, há um contínuo intercâmbio entre ficção e realidade. Então, esse público que, no filme, o personagem Pirandello vê (ao se enfronhar) no teatro popular, é formado por pessoas que querem entender a razão do que acontece no palco. Um pouco como os próprios personagens de Pirandello. Mas sim, acho que para o público brasileiro é bonito ver esse filme quase independentemente de estarmos citando Pirandello. Ou seja, você pode pensar na figura de um outro escritor, dramaturgo ou criador, e a história funciona da mesma forma.
Criação
Talvez pelo fato de, mais que centrar na figura do autor em questão, estar falando do processo de criação…
Sim, sobre esse momento mágico em que um autor está imerso entre os seus personagens e a realidade. E vou te dizer que, neste sentido, acho o Brasil genial. Porque se penso nos grandes escritores brasileiros que leio, sempre há essa relação extraordinária entre a ficção e a realidade. Não é uma linha precisa, é um contínuo intercâmbio.
Cômico e dramático
Em uma entrevista a um jornal português, Toni Servillo relacionou o sucesso do filme na Itália também ao fato de os espectadores terem gostado da ideia de ver dois atores cômicos dividindo o set com ele. Você concorda com esse pensamento?
Sim, foi a minha intenção. Em um certo período, no cinema italiano, este artifício era muito mais comum do que agora. Se você pensa, por exemplo, em Totò. Ou em Ciccio Ingrassia, em filmes de Fellini (Roberto Andò refere-se a “Amarcord”). Penso que foi quase liberatório para o cinema italiano ver de novo dois atores cômicas populares junto a um ator dramático. E isso, aliás, tem a ver com um dos temas abordados pelo filme. Quando eu coloquei “La Stranezza” como título, tive também a intenção de dizer que quem o adentra o faz como se estivesse em uma terra na qual tudo é misturado. Vivos e mortos, imaginação e realidade. E também essa mescla entre o cômico e o trágico. E então, ter esses dois atores, tão capazes de dar o sentido do cômico, e, ao mesmo tempo, ter um ator como Toni, trabalhando juntos… Cria um tom que é a força do filme.
Porque a vida é também assim, não é? A vida é cômica é trágica. E às vezes os dois aspectos emergem simultaneamente…
É o que eu digo em relação à Sicília. Quando eu digo que a Sicília é uma terra de contrastes extremos, de paradoxos. Às vezes, você se encontra em um funeral e, ali, vigora a sensação do trágico. A tristeza paira. Mas eis que, de repente, acontece um episódio que confere um viés cômico àquela situação.
Em tempo
Além dos atores já citados, o elenco do novo filme de Roberto Andò conta, ainda, com Renato Carpentieri, Donatella Finocchiaro, Luigi Lo Cascio, Filippo Luna, Galatea Ranzi, Fausto Russo Alesi, Giulia Andò, Rosario Lisma, Tiziana Lodato, Paolo Briguglia, Giordana Faggiano e Tuccio Musumeci.
*Com agradecimentos à jornalista, documentarista e curadora Flávia Guerra, pela intermediação