Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

Baseada no livro de Valter Hugo Mãe, “A Desumanização” entra em cartaz em BH

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Com Maria Helena Chira e Fernanda Nobre no elenco, peça teatral ‘A Desumanização’ passa a ocupar o Teatro II do CCBB BH

Patrícia Cassese | Editora Assistente

Toda vez que é convidada para participar de algum trabalho audiovisual fora de São Paulo, onde mora, a atriz Maria Helena Chira costuma se munir de novos livros para ocupar as horas vagas entre uma gravação e outra. Não foi diferente em 2014, quando ela firmou um contrato que a faria passar cinco semanas no Rio de Janeiro.

Cena da peça "A Desumanização"/ Foto de Victor Riemini/Divulgação
Cena da peça "A Desumanização"/ Foto de Victor Riemini/Divulgação

Assim que chegou à cidade, Maria Helena entrou numa livraria e, entre as obras que separou, constava “A Desumanização”, do escritor português (nascido em Angola) Valter Hugo Mãe. “Na verdade, nunca havia lido nada dele, mas era uma vontade que já vinha de algum tempo”, confessa ela.

Por conta do que hoje entende ter sido “um golpe do destino”, naquele dia Maria Helena topou com este título. “Naquele dia, eu inclusive tinha olhado vários outros livros dele, mas, ao fim, decidi levar apenas esse”, conta, acrescentando que, hoje, já leu a obra todo do autor.

Uma ideia na cabeça

Naquele final de 2014, assim que começou adentrar a leitura, Maria Helena não só ficou instigada pelo tema tratado pela obra como foi invadida pela sensação de que a narrativa era plenamente adaptável ao teatro. “E, aí, fiquei com isso na cabeça”.

Fato é que a semente vingou e, nesta sexta-feira, o resultado chega à capital mineira para cumprir temporada até o dia 15 de maio, no palco do Teatro II do CCBB BH. Além de Maria Helena Chira, a montagem traz, no elenco, Fernanda Nobre. A direção é de José Roberto Jardim.

Presença ilustre na plateia

“A Desumanização” estreou em 2019, em São Paulo, com a presença de ninguém menos que Hugo Mãe na plateia. “Foi uma das coisas mais emocionantes que já vivi, ele vendo o espetáculo e como realmente ficou tocado, realmente gostou do que viu. Escreveu um texto super bonito, depois, sobre a encenação”, afiança Maria Helena Chira.

A montagem também já passou pelo Rio de Janeiro e por Brasília, além de, durante a pandemia, ter tido sessões online.

Ao Culturadoria, Maria Helena Chira relembra que, ainda naquele ano de 2014, quando deu início à leitura, o que mais a impactou foi a maneira como o autor conduz assuntos que, ressalta, são muito doloridos. “Ele fala de temas como morte, perda, de uma maneira muito poética e bonita. Isso me pegou muito, porque ele consegue obter um contraste entre uma dor profunda e uma beleza, de alguma maneira. Ele tem essa maneira de escrever que é muito única”.

A atriz também ficou sensibilizada com o argumento em si. “Essa coisa de lidar com a perda, da identidade dessa menina que de uma hora para outra se vê sozinha. E o amadurecimento dela, a questão de uma menina virando mulher”, lista.

“É um livro muito bonito, que foi me pegando em vários lugares, na verdade”, expõe Maria Helena. “A leitura me tirou do real. Efetivamente entrei naquele mundo que o autor propõe”, adiciona.

Direitos e adaptação

Decidida a investir na encenação, Maria Helena Chira se deparou com o endereço eletrônico de Valter Hugo Mãe no site da editora e, munida de coragem, resolveu escrever diretamente ao autor. “E por incrível que pareça, ele me respondeu. Nem acreditei, achei que ia ter que pensar outro caminho”.

A atriz apresentou a proposta e, de pronto, recebeu o aval. “Ele foi muito, muito generoso. Confiou na gente de uma maneira que nem sei explicar. Daí, depois, a gente se encontrou rapidamente, aqui, no Brasil, para assinar o contrato. E depois ele veio para a estreia”.

Já a adaptação, ela conta ter sido um processo bem mais longo, feito a muitas mãos. “Comecei o trabalho de adaptação com o diretor, o José Roberto Jardim. Durante muito tempo, ainda sem nada muito fixo, a gente ficava tentando entender que partes seriam essenciais, que foco dar. Porque é isso, é preciso fazer escolhas, não dá para colocar o livro inteiro no palco”.

Assim, foram feitas várias versões. “A gente ainda tateando o texto”.

Olhar de fora

Em um momento seguinte, se deu a entrada de Fernando Paz ao projeto. “Ele é um grande ator e tradutor, um cara que entende muito de literatura. Queríamos que desse um olhar, pois mexemos tanto que chega um ponto no qual você precisa de uma visão de fora”.

Paz entrou com a perspectiva de dar uma organizada nas adaptações e dramaturgias que Maria Helena e José Roberto tinham proposto até então.

“O Valter Hugo Mãe realmente deixou a gente completamente livre, não fez nenhuma exigência, não leu o texto final. Nem sabia o que a gente tinha feito, como seria a adaptação”, explica Maria Helena Chira.

“Mas, como disse, a gente teve que fazer algumas escolhas. O livro, na verdade, tem duas partes, e a que privilegia a relação delas com a cidade, aqui, acabou ficando mais resumida, ainda que, claro, esteja presente”, reitera.

Fernanda Nobre

A entrada de Fernanda Nobre no projeto de encenar “A Desumanização” se deu quando Maria Helena e Jardim, que até então pensavam em um monólogo, se deram conta de que a presença de uma outra atriz fortaleceria a empreitada.

“Essa peça é mais complexa que um monólogo, e a Fê não só já tinha lido o livro, como algumas das nossas adaptações. E aí foi um caminho meio que natural”, expõe Chira.

Também pesou o fato de as duas atrizes serem fisicamente parecidas. “Isso, para a montagem, para o que a gente estava imaginando, era importante. A gente tem exatamente o mesmo tipo físico, a mesma altura, a mesma cor de cabelo”.

“Então, a gente achou que isso ia render um jogo de cena interessante, já que o texto fala de gêmeas. Quisemos brincar um pouco com isso (as semelhanças)”, especifica Maria Helena.

Retorno do público

Desde a estreia, a reação do público ao fim do espetáculo tem sido muito intensa, conta Maria Helena. “O livro é muito emocionante, ‘pega’ muito’ as pessoas. Quem nunca viveu uma perda, quem nunca se sentiu completamente sozinha no mundo?”, argumenta a atriz.

“Mesmo quem não tem irmãos ou quem não perdeu pessoas muito próximas, em algum momento certamente já se sentiu assim. Acho que a potência do texto tem a ver com isso, com essa sensação de que todo mundo certamente algum dia já teve, de estar perdido, sem identidade, sem saber para onde ir”, aventa.

Maria Helena também credita o impacto da montagem à construção cênica proposta pelo diretor. “Ela leva as pessoas para um lugar muito interno, quase como se fosse para a cabeça das duas. Então, as pessoas ficam muito tocadas, é muito bonito de ver”.

Ela entende que, habitualmente, ao ler o livro, as pessoas já ficam muito impactadas. “E em cena, é diferente. Você está ouvindo aquelas pessoas ali, no palco, falando o texto. São impactos diferentes. Com a complexidade e a poesia do Valter Hugo Mãe, a narrativa chega às pessoas de maneiras que a gente nem imagina”.

Espinha dorsal

Maria Helena avalia que “A Desumanização”, o livro, tem muitas questões, mas a espinha dorsal seria realmente a perda de uma irmã. “Uma menina que perde a irmã gêmea, que era o seu espelho, aquela a quem considerava como a pessoa com quem tinha maior troca – porque o resto da cidade era muito hostil a ela”.

Vale dizer que a trama se passa na Islândia, país no qual, como se sabe, o frio predomina, o que acabaria se refletindo na personalidade das pessoas. “Ela (personagem) tem essa leitura em relação ao outro. E, aí, a única pessoa do mundo que era a cara dela desaparece, morre. A partir desse acontecimento, o autor mostra como essa menina, sobrevivente, vai se desenvolvendo, amadurecendo, vivendo coisas sem a irmã”.

“A Origem do Mundo”

Atualmente, além de estar em cena com “A Desumanização”, Chira responde pela direção de “A Origem do Mundo”, que estreou no último dia 14, em São Paulo, no Sesc Ipiranga. Com dramaturgia de Luisa Micheletti e Julia Tavares, que estão no palco, o espetáculo é uma adaptação da artista gráfica e cientista política sueca Liv Strömquist.

“Na verdade, foi convidada pela Luisa, idealizadora do projeto. Foi ela que negociou direitos autorais, ela que fez todo esse caminho, e me convidou para dirigir e, consequentemente, produzir, para o Sesc”, relata Maria Helena. Ou seja, um processo bem diferente de “A Desumanização”, “no qual a ideia foi minha e, portanto, eu levantei a produção”.

Recentemente, a encenação recebeu uma crítica bem elogiosa de Miguel Arcanjo Prado. “Esta peça trata de um tema que me interessa muito, que me instiga. Eu já conhecia a história, já conhecia a Luisa e a Julia, então, a gente fez esse caminho junto até a estreia, que foi na semana passada. Agora, vamos ver como o projeto segue”.

Recado para o patriarcado

A peça, como o nome indica, trata da origem do mundo, mas sob o ponto de vista da vagina. “É um ponto de vista bem feminista, como se fosse um recado para o patriarcado. Uma revisão da historia como nos foi contada até agora. Estou muito feliz com a estreia e as repercussões”.

“Na minha opinião, é uma peça muito importante, que merece ser vista, pois trata de um assunto que, mesmo a gente estando em 2023, ainda é pouco falado, ao menos sob esse ponto de vista”, avalia Maria Helena.

Serviço

“A Desumanização”, com Fernanda Nobre e Maria Helena Chira
Quando: De 21 de abril a 15 de maio, de sexta a segunda, às 19h
Onde: Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte – CCBB BH (Praça da Liberdade, 450)
Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada) * à venda em bb.com.br/cultura e na bilheteria do CCBB BH.
Horário de Funcionamento do CCBB BH: de quarta a segunda, das 10h às 22h.

  • Clientes BB têm direito à meia-entrada na compra com Cartão Ourocard

Mais informações: 31 3431 9400

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