Lançado pela Fósforo Editora, “A casa de barcos” foi publicado originalmente em 1989 e traz as marcas do estilo característico do escritor norueguês
Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura
“Eu não saio mais de casa, uma angústia tomou conta de mim, e não saio mais de casa” diz, logo na primeira linha, o narrador de “A casa de barcos”, emblemático romance do vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, Jon Fosse, publicado originalmente em 1989, lançado neste ano pela Fósforo Editora com tradução de Leonardo Pinto Silva. Essa frase — e diferentes variações — será repetida incessantemente pelo homem, num crescente textual e, até mesmo, sensorial: a angústia da voz narrativa pouco a pouco alcança o leitor.
Solidão cotidiana
Um homem solitário vive com a mãe numa pequena comunidade costeira na Noruega. Nascido e crescido ali, o personagem se vê preso àquele espaço, sem perspectivas profissionais ou possibilidade de mudança. Ele se acostumou aos dias que se sobrepõem uns aos outros. Nada muda: a paisagem é a mesma, as pessoas são as mesmas. “A minha vida não andou”. Até que um amigo de infância, cujos laços foram rompidos há cerca de uma década, retorna à cidade, na companhia da esposa e duas filhas. Junto com esse reencontro vem a angústia. “Foi neste verão que a angústia tomou conta de mim. Reencontrei o Knut, não o via fazia uns dez anos, provavelmente. Eu e o Knut estávamos sempre juntos. Uma angústia tomou conta de mim”.
Estilo característico
“A casa de barcos” é um belo exemplar do estilo característico de Jon Fosse. Nos vemos empurrados em um intenso fluxo de consciência, onde parágrafos longuíssimos tem muitas vírgulas e poucos pontos finais. Pensamentos obsessivos tomam conta do narrador e a repetição incessante de memórias, palavras e sentimentos tem o papel de sedimentar essa angústia, esse desconforto, não apenas no texto, mas naqueles que o lêem. As palavras de Fosse têm quase um efeito hipnótico.
A sensorialidade da escrita do escritor norueguês ganha contorno e intensidade pela presença do oceano que margeia a pequena comunidade onde a narrativa se desenrola. O quebrar das ondas e as curvas do fiorde próximo parecem traduzir sentimentos profundamente humanos. “Eu vou para casa, e não consigo pensar em nada, tudo aqui dentro é só uma enorme angústia, embalada pelo ritmo das ondas”.
Jon Fosse escreve em “A casa de barcos” sobre a inevitabilidade da passagem do tempo e seus efeitos sobre as relações humanas, sobre a amizade e sobre o ciúme, construindo um surpreendente triângulo amoroso — que se vê refletido num espelhamento entre passado e presente. Aqui, tanto o passado quanto o presente assombram o protagonista, que se percebe refém da angústia e busca na escrita uma possibilidade de libertação. “É por isso que eu escrevo. Preciso me livrar dessa angústia”.
Encontre “A casa de barcos” aqui
Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural. Escreve sobre literatura aqui no Culturadoria e também em seu Instagram: @tgpgabriel (https://www.instagram.com/tgpgabriel)