A exibição do longa “Dancing Whit Monica”, da diretora Anja Dalhoff, que mostra a vida de uma prostituta Colombiana, seguido do debate sobre prostituição e violência de gênero, marcaram a noite de encerramento do 4ª Mostra de Cinema Feminista, nessa sexta-feira, dia 16. Durante oito dias foram exibidos 69 filmes, produzidos por mulheres, e cinco momentos de debate no Sesc Palladium.
Uma mostra que pôde dar visibilidade às produções cinematográficas realizadas por mulheres e promover discussões sobre as lutas dos movimentos feministas. Pela primeira vez, foram exibidas produções assinadas por um diretor trans, Calí dos Anjos, e filmes de 11 países. O coletivo Malva, responsável pela realização do evento, só tem a comemorar.
“Estamos muito felizes com o retorno e o número de pessoas que vieram.. Todos os debates estiveram cheios e as trocas foram interessantes. A cada ano crescemos e vemos o quão importante é a mostra para incentivar as mulheres a produzirem e divulgarem seus filmes. A expectativa é crescer a cada ano”, explica Mirela Persichini, produtora e curadora da mostra.
DANCING WHIT MONICA
No encerramento foi exibido o longa “Dancing Whit Monica”, da diretora Anja Dalhoff. Ele foi escolhido por discutir a prostituição que perpassa a violência, a sexualidade e o estupro. O filme mostra a vida da prostituta Colombiana que resolveu gravar sua luta na prostituição por 25 anos. Em um momento, Monica encontra a diretora e elas resolvem usar as imagens em um filme.
O longa, de 76 minutos, narra com dor e tristeza a vida da prostituta. As cenas fazem uma viagem pelo tempo e mostram como viveu Monica em cada país no exercício da profissão. Ela é quem conta sua própria história. As cenas passam pelo Japão, Espanha e Colômbia. Os dias de luta, de glória na profissão, os desafios para sustentar o filho e o drama da família também são retratados no longa.
DEBATE SOBRE PROSTITUIÇÃO E VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Para discutir o assunto a mostra recebeu a Doutoranda em Psicologia Sarug Dagir. Ela defende uma tese sobre a sexualidade feminina na obra de Marie Bonaparte e a relação dos postulados bonapartistas de complexo de perfuração e falo passivo com a teoria da sedução generalizada de Jean Laplanche.
Sarug já foi prostituta e levou para a discussão a prostituição e sua ambivalência. Ela falou sobre a importância de se discutir a profissão e debateu o drama vivido por Monica. “O mesmo tempo que a prostituta é procurada e se torna objeto, ela também é um lixo. E isso afeta a saúde psicológica da mulher, assim como vimos no filme”, explica.
Os pontos positivos e negativos da prostituição também foram pontuados por Sarug. Para ela, a profissão ajuda no desenvolvimento psicosexual da mulher, no desenvolvimento de renda e dá vida uma digna. Entretanto, as mulheres correm risco e podem adoecer, tanto fisicamente como psicologicamente.
“Muitas mulheres enlouquecem por em um dia ter muitos clientes e no outro dia, nenhum. Elas não conseguem entender que isso não é culpa de ninguém e sim do sistema. Muitas mulheres começam cedo, não tem psicológico para enfrentar os desafios e surtam. Mas, muitas conseguem ficar ricas, criar filhos e ter uma vida normal”, diz Sarug.
O valor social da prostituta foi relembrado pela doutoranda. Ela fez um resgate histórico e contou sobre o papel sagrado da profissão na Grécia Antiga. “Ser prostituta não é só abrir a perna. Nos programas acontecem terapias, conversas e o programa gera um bem-estar no cliente. Vejo a prostituição também como empreendedorismo”.
O debate ainda foi aberto para o público, momento em que questões sobre legislação, segurança e direitos para as prostitutas foram levantados. Os presentes disseram estar tocados com a história de Monica e com a profissão. Sarug reforçou a importância de mostrar a temática em filmes e na mídia para a desconstrução da imagem da prostituição. “Temos que humanizar e não tratar como obscuro. Cabe a arte e a mídia reforçar que não é só glamour e também nem só miséria”.
A MOSTRA
O objetivo do festival é dar visibilidade às produções cinematográficas realizadas por mulheres e promover debates sobre as lutas dos movimentos feministas. A mostra é fruto de um evento de luta de mulheres do coletivo Diversas: Feminismo, Arte e Resistência. O festival traz filmes que discutem o universo do feminismo, saúde, direitos reprodutivos, abuso, violência, emancipação, empoderamento e as questões LGBT.
Nesta edição, em pouco mais de um mês, a produção recebeu cerca de 380 produções, um número considerado expressivo pelo grupo se considerarmos que a participação de mulheres ainda é pequena no universo dos filmes. Das produções lançadas em 2016, 75,4% foram feitas por homens brancos. Mulheres brancas assinam 19,7% e homens negros, 2,1%. Não houve nenhum longa dirigido por mulheres negras, segundo a pesquisa da Ancine.
“Este ano a gente recebeu uma quantidade expressiva de filmes, principalmente internacionais. Mudamos o formato dos debates. Em vez de chamar apenas diretoras, também convidamos outras pessoas para trazer outros pontos de vista. Com isso, realizamos uma mostra mas rica e estamos muito felizes com o resultado”, explica Letícia Souza, produtora e curadora da mostra.
LUTA FEMINISTA
A produção relata que o dia 14 foi o mais difícil e reflexivo desta edição. “Na quarta-feira houveram vários momentos que justificam nossa luta. Tivemos a notícia de professores que foram espancados em São Paulo, Constrangimento de homens branco mandando mulheres calarem a boca dentro da mostra e a morte Marielle Franco. Tudo isso nos impactou e nos fez refletir sobre nosso papel como mostra”, relata a produtora e curadora da amostra, Daniela Pimentel.
Mirela Persichini também ressaltou a luta pelas mulheres e a importância da mostra nas questões feministas. “Não podemos calar e desistir. Temos que continuar fazendo e proporcionando espaços para as mulheres terem espaço e voz. Se a gente tivesse mais lugares as coisas seriam diferentes”.