Por Gabriel Pinheiro | Colunista de Literatura | @tgpgabriel
Vinte autoras e autores mineiros foram convidados a refletir sobre a pandemia do coronavírus por meio da ficção em 20 contos sobre a pandemia de 2020. O livro tem organização do escritor Rogério Faria Tavares, numa parceria entre a Editora Autêntica e a Academia Mineira de Letras. Encontramos nesta seleção uma pluralidade de vozes, vivências, públicos, estilos e escritas, em um registro não só deste momento específico – a covid-19 e o Brasil – mas de parte da cena literária mineira hoje.
Isolamento social, álcool gel, máscaras, rixas familiares nos grupos de Whatsapp, vizinhos negacionistas e o (des)governo federal que contribui para o agravamento da pandemia no país. Esses são pontos que, como esperado, circulam pelas narrativas aqui presentes. Afinal, eles não fazem parte do nosso próprio cotidiano desde março do ano passado? Em um conto, conhecemos um homem que nega a realidade e insiste em seguir com sua vida normalmente – e tem um encontro com a morte; n’outro, o início de um romance é marcado pela quarentena e pelas trocas de mensagens à distância.
Temáticas
Muitos contos vão além, procurando, neste isolamento no qual estamos submetidos há mais de um ano, formas de pensar e refletir sobre a nossa humanidade. Em um há a personagem que reconhece o privilégio de se manter em casa em home office com seus direitos garantidos pela CLT. Por outro lado, o ciclista do serviço de entregas sobe tanto morro de bicicleta que não tem fôlego para ter direitos; um autor enxerga o vírus como cruel aliado em uma guerra contra parte da população brasileira que já é alvo de um plano genocida anterior; em outro, um personagem vê como a doença escancara problemas sociais do país: mata rico e mata pobre, mas, claro, tem uma queda pelo pobre.
Há contos que emulam a escrita de importantes mestres: um conto machadiano, onde o horror da doença assombra confrades de uma Academia de Letras numa cidade interiorana, quando uma coceira na garganta é o presságio da morte que se avizinha. Já em outra narrativa, o personagem (o próprio autor) tem um encontro com seu eu do passado. Está numa mesa de café, numa reescritura de Jorge Luis Borges à luz dos tempos pandêmicos.
O humor também está presente, como forma de crítica social ou rindo da desgraça em que nos metemos. Só para exemplificar, há uma situação non-sense envolvendo uma mulher, sua máquina de lavar estragada e a morte de uma atriz, com nome homônimo ao seu estampado nos jornais, causando certo rebuliço; e o diálogo entre dois personagens – o “Covid” e o “Corona” -, onde estes trocam figurinhas sobre os estragos que têm feito ao redor do globo.
A literatura em diálogo com a realidade
Em um dos contos, o personagem comenta a marca recém alcançada (à época da escrita) do número de mortos pela covid-19: 50 mil. Mas o que ele nos diria hoje, quando já ultrapassamos as 350 mil vidas perdidas pela doença? Seguimos com a vacinação a passos de tartaruga e rumo às 4.000 vítimas diárias.
A literatura é uma das nossas mais importantes manifestações artísticas no que diz respeito ao refletir sobre a realidade, os acontecimentos definidores da cultura e momentos difíceis da humanidade. Sendo assim, ao jogar luz sobre situações limite – incluindo tantas tragédias -, a ficção se torna um verdadeiro documento: forma de reflexão e de denúncia.
20 contos sobre a pandemia de 2020 foi ágil ao convidar estas autoras e autores para pensar este acontecimento único na realidade brasileira e mundial, no calor do momento. Tudo tem avançado tão rápido – infelizmente piorando numa velocidade esmagadora -, que acredito que estas narrativas seriam consideravelmente diferentes se escritas hoje. Ou seja, se por um lado os números e a situação da pandemia em 2020 parecem tão distantes, por outro, parece que este ano ainda nem acabou, que seguimos vivendo um prolongamento dele.
Gabriel Pinheiro é jornalista e produtor cultural, sempre gasta metade do seu horário de almoço lendo um livro. Seu Instagram é @tgpgabriel.