“Que plano-sequência!”. Ouvi duas vezes a mesma exclamação na saída do cinema após a sessão de 1917. Para mim, ela resume o que é o filme. Ou seja, a produção dirigida por Sam Mendes impressiona mais pela técnica utilizada do que propriamente pela história contada. Embora seja um primor na reconstituição da época e dos fatos históricos que dão contexto à obra.
É um filme de argumento aparentemente simples. Dois soldados britânicos na Primeira Guerra Mundial devem partir de um ponto A e chegar a um ponto B com uma importante mensagem. Se falharem, cerca de 1.600 combatentes cairão em uma armadilha. É isso. Portanto, o diferencial está justamente como Sam Mendes filma o trajeto deles.
Se o objetivo era fazer com que o espectador se sentisse imerso na missão, o diretor acertou. Mas, para mim, fica faltando emoção. As sequências são incríveis. O aspecto humano, porém, fica em segundo plano. Tanto é que entre as dez indicações que o longa recebeu ao Oscar 2020, seis delas são puramente técnicas. Ou seja, fotografia, maquiagem, desenho de produção, música, efeitos visuais, mixagem de som e edição de som.
Confira o podcast do Culturadoria em parceria com a BH FM sobre 1917:
Os atores Dean-Charles Chapman, que faz o Blake, e George MacKay, intérprete do Schofield, ficaram de fora da lista. Achei curioso. Repare só, sempre que conversar sobre 1917 com alguém, vocês vão falar de tudo, menos da atuação deles. Fazem homens comuns que precisam descobrir o que é ser herói para eles mesmos. Isso é lindo. E são ótimas interpretações.
Apesar de extremamente técnico e histórico, 1917 é um grande filme. Além de ter sido feito para ser visto no cinema, apresenta uma perspectiva diferente daquelas que convencionalmente conhecemos sobre as guerras. Tem batalha, claro. Mas a tensão está justamente entre um conflito e outro.
Ensaios
Como 1917 existe em função da técnica, tudo precisou ser muito – muito mesmo – ensaiado. O filme foi todo coreografado. Ou seja, até os passos dos atores eram contados pois os movimentos deveriam existir para a câmera e não o contrário. Um tropeço diferente, uma mudança não planejada poderia colocar por água abaixo todo o plano-sequência comandado por Roger Deakins, o diretor de fotografia.
Imagine o trabalho em fazer tudo isso sem escorregar também em todo o contexto da época. Como o historiador Leandro Karnal explica na série de vídeos feitas sobre o longa, o ano de 1917 marca a entrada dos Estados Unidos na Grande Guerra. Pela fala dele percebe-se o cuidado que a produção teve em cada detalhe da reconstituição. O uso das armas, dos aviões, os animais que aparecem no meio do caminho. Tudo isso tem rastro real.
Em resumo: 1917 é mais racional do que emocional. Contudo, um trabalho robusto, elaborado e que merece ser reconhecido a medida em que propõe uma inovação na forma de filmar.