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17 de agosto, Dia de Patrimônio Cultural: devemos celebrar criticamente

A data é em homenagem a Rodrigo Melo Franco de Andrade, primeiro presidente do Iphan, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
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Festa de Iemanjá. Foto: Ricardo Laf/PBH

Dia do Patrimônio Cultural Brasileiro é celebrado em 17 de agosto em homenagem a Rodrigo Melo Franco de Andrade, primeiro presidente do Iphan, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Mas há o que comemorar? Como celebrar a data diante de um cenário de incertezas em relação à preservação e manutenção do patrimônio brasileiro?

Esse é um questionamento feito pela escritora, professora, pesquisadora e cientista social Mariana Ramos de Morais e por muitos brasileiros; grupos, comunidades e minorias que se movimentam para a valorização e proteção do patrimônio. “Temos sim que falar em patrimônio, mas pensando no que o governo atual está fazendo para gerir. É para celebrar mesmo? Em termos nacionais?”, pontua Mariana Ramos de Morais. 

A professora destaca esse ponto quando paramos para considerar toda a história construída até então e como ela está sendo tratada agora. Em 1937, no Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro, a administração pública estabeleceu como patrimônio “o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. No entanto, o nome “Patrimônio Histórico e Artístico” foi ampliado para Patrimônio Cultural Brasileiro na Constituição de 1988. A mudança incorporou outros aspectos.

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Objetos recolhidos no início do séculos XX no Rio de Janeiro. Eles pertencem ao Museu da Magia negra. Foto Iphan-RJ

Aumento da abrangência 

“Dentro da concepção de Patrimônio Histórico e Artístico que vigorou até a década de 1980 não tinha espaço para outras manifestações, como, por exemplo, a cultura afro-brasileira. O único registro que tinha dessa cultura era o Museu da Magia Negra”, destaca Morais. O museu guarda uma coleção de objetos apreendidos pela polícia no Rio de Janeiro no início do século passado. Eles foram recolhidos porque eram usados em práticas religiosas, o que era considerado crime pelo Código Penal de 1890. Em resumo, era ilegal basicamente qualquer prática religiosa que fugia do cristianismo. Resultado: intolerância religiosa e racismo. 

Na nova denominação, o patrimônio cultural imaterial passou a ser mais amplamente contemplado, pois considera uma pluralidade maior de expressões e de povos. Como afirma a diretora de patrimônio cultural e Arquivo público da cidade de Belo Horizonte, Françoise Jean de Oliveira Souza. “No início, o estado escolhia proteger o que era importante para toda a nação, o que era monumental. Então, o que era inerente às pessoas brancas, à elite. Mas a nação é múltipla. Não era um patrimônio de todos, mas de alguns”. 

Dessa forma, os saberes tradicionais, como os dos indígenas e quilombolas, passaram a ficar mais em evidência. Assim como os das populações afro-brasileiras. Por exemplo, entre 2013 e 2015 foi feito o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana. Ele acompanhava o processo de tombamento de terreiros no território brasileiro. Confira aqui.

Igreja de Santa Tereza e Santa Terezinha, no bairro Santa Tereza em BH. Foto: Lucas Paiva

Belo Horizonte

A nível local, a Festa de Iemanjá e dos Pretos Velhos foram reconhecidas em 2019 como patrimônio imaterial de Belo Horizonte. A Festa de Iemanjá é realizada há mais de 60 anos na Praça Dalva Simão, na região da Pampulha e a dos Pretos Velhos desde 1982 na Praça Treze de Maio no Bairro Silveira, Nordeste de BH. “Esse tombamento foi importante porque isso garante proteção e que essa manifestação cultural perpetue, que ela não seja engolida pela vida urbana”, afirma Françoise. O trabalho da Diretoria de Patrimônio Cultural é assessorar o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de BH, órgão responsável pela proteção do Patrimônio Cultural da cidade. 

O trabalho feito na capital mineira prioriza os chamados Conjuntos Urbanos, “que são trechos ou territórios da cidade, que, em função do conjunto de edificações, modos de vida, ocupações e referências simbólicas etc, os tornam diferenciados”, explica Françoise.

Um exemplo desses conjuntos é o bairro Santa Tereza. Entre as principais características dele estão as casas mais próximas da rua e limite de verticalização. Além disso, o calçamento diminui o ritmo do trânsito e favorece a ocupação das ruas pelas pessoas, incentivando a sociabilidade e interação. Nesse sentido, entra o conceito de Paisagem Cultural, uma categoria estabelecida pelo Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que é justamente a interação entre o ambiente e as atividades humanas. 

Identidade

Acima de tudo, a preservação, assim como a proteção do patrimônio cultural, afirma e ajuda a definir a identidade. Por isso, a importância de celebrar o 17 de agosto. “O instrumento de patrimônio garante uma série de direitos para o cidadão como a compreensão da história. Essas políticas garantem uma relação mais afetiva com a cidade em que a gente mora, porque a partir do momento que me vejo naquele território vem a sensação de pertencimento”, completa Françoise Jean. 

Atividades

Mesmo com o isolamento social algumas atividades para celebrar o Dia do Patrimônio Cultural estão sendo e vão ser realizadas até o fim de agosto. Em BH, tem programação especial promovida pelo Governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) e da Rede Minas, em parceria com a APPA — Arte e Cultura. A programação conta com exibição de filmes, exposições virtuais, seminários online, lançamentos de publicações etc. Você pode acessar pelas páginas do IPHEA MG, da Secult e do Circuito Liberdade

Casa Fiat de Cultura

A Casa Fiat de Cultura uniu o Dia do Patrimônio e o da fotografia (19 de agosto) e realiza uma edição especial do Encontros com o Patrimônio. A edição deste mês aborda a relação entre documentos fotográficos, preservação do patrimônio e registo de memórias em diferentes dimensões (histórias familiares, das cidades e expressões culturais afro-brasileiras em Minas). Participa o antropólogo e fotógrafo Patrik Arley. O evento é gratuito, às 11h de 16 de agosto, pelo YouTube da Casa Fiat de Cultura com inscrições pelo Simpla.

Museu da Misericórdia

O dia também é celebrado em outras capitais, como Salvador, que tem o maior conjunto arquitetônico do período colonial preservado na América Latina. Por lá, o Museu da Misericórdia comemora com duas lives. A primeira traz o tema o IPHAN e o “Patrimônio Nosso de Cada Dia – Breves Reflexões”, com Ana Góis, museóloga, mestre em Preservação do Patrimônio Cultural e técnica do IPHAN-BA. Já a segunda é em 20 de agosto sobre  “Museus no contexto da pandemia: perspectivas, posturas e desafios” com Ana Cristina Coelho. Ela é coordenadora do Programa Narrativas Patrimoniais do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia. Ambas as transmissões são pelo Instagram @museudamisericordia. 

13ª Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Sob o tema “Janelas do Patrimônio: novos olhares, estratégias e conexões”. A programação tem, até 27 de agosto, transmissões ao vivo de rodas de conversa e entrevistas, vídeos interativos e até playlists temáticas. É tudo online e gratuito pelo Instagram e YouTube da da Secretaria de Cultura de Pernambuco e pelo Facebook da Semana do Patrimônio.

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