Curadoria de informação sobre artes e espetáculos, por Carolina Braga

5º Tiradentes em Cena ganha com diálogos sobre tolerância mas escorrega em programação inédita

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Tiradentes em cena bate palmas para o pós-teatro de Amir Haddad. Crédito: Carolina Braga

A 5ª edição do festival Tiradentes em cena terminou domingo (28) e deixou a sensação de ter criado um lastro forte de aprendizado – para quem foi e para quem organiza. Comparado aos outros eventos realizados na mesma cidade do Campo das Vertentes o projeto dedicado às artes cênicas é pequeno. Não quer dizer, em absoluto, que seja irrelevante ou mesmo tímido. O contrário.

Em 2017 o Tiradentes em cena ganhou consistência temática e descobriu que promover o encontro entre artistas e plateia pode gerar o mais caro legado de um festival: a transformação. Conversar – sobretudo hoje em dia quando somos estimulados a encontros mais virtuais que reais – tem peso de ouro.

Por isso, lucrou muito quem se abriu às discussões sobre a representatividade e resistência do teatro negro; sobre como construir uma nova história para relação entre teatro e feminismo; sobre os desafios presentes na aproximação entre teatro e cultura trans ou mesmo sobre a importância dos próprios festivais no fomento de tudo isso e da descentralização da cultura. Enfim, ganhou quem entende arte como vetor de transformação e não capitalização.

A lição que o Tiradentes em Cena 2017 deixa para seus organizadores, no entanto, diz respeito à coerência na programação. É claro que é legal poder contar com espetáculos inéditos. Mas a que preço? É a pergunta que fica. Riscos sempre existirão mas eles precisam ser melhor calculados. Não são os espetáculos que chancelam um festival. É preciso que seja o contrário.

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No mundo cada vez mais conectado penso que o papel dos festivais é ser menos mostra de espetáculos (estreias ou não, com figuras conhecidas, ou não) e mais espaço de provocação para novos caminhos. Em forma e conteúdo. Isso tem muito a ver com as ideias defendidas pelo ator e diretor Amir Haddad na roda de conversa promovida na noite de sábado (27).

Cia Fusion de dança encerrou a programação na noite de sábado (27). Crédito: Carolina Braga

Que venha o pós-teatro! 

Haddad foi um dos homenageados desta edição. Aos 80 anos de idade e 60 de teatro, falou durante cerca de uma hora sobre a paixão que tem pelas artes cênicas. Sobre o ofício escolhido tem conclusão bastante banal: vivemos um momento em que o teatro – na forma que conhecemos – precisa morrer para que um outro teatro ganhe vida. Estranho? Pode parecer, mas nem tanto. Afinal, a lógica não é Rei morto, Rei posto?

Amir Haddad é mineiro, nascido em Guaxupé. Na família de origem árabe, foi o único a seguir o caminho das artes. Com mais de 300 espetáculos no currículo está seguro de que o teatro nunca lhe negou nada. Confessou que, algumas vezes, sentiu dificuldade em fazer o teatro que lhe ofereciam. “Fui tolerante mas coerente com as próprias escolhas”.

“O Rei está morto. Viva o Rei”

É com essa coerência que ele prega a “morte do teatro” para anunciar a “vida no teatro”. O que quer dizer? Que as formas teatrais – tanto de produção, de formato, de conteúdo – se esgotaram. É preciso voltar no tempo e lembrar que o teatro – em tempos ancestrais – acontecia com a mesma naturalidade da vida. Em qualquer lugar. De qualquer modo. Sobre infinitas coisas. “Entendo o teatro como algo essencialmente vivo. O teatro é uma forma de manifestação essencial de expressão do ser humano. Como produto de um mercado, perde sua natureza.

Para o ator e diretor, toda arte é, essencialmente, uma obra pública. “Ninguém faz arte para si mesmo. Eu não crio uma peça de teatro só para mim. O músico não faz a música para ele. O impulso artístico é da maior generosidade. É uma ação para o outro. O lucro da arte é o encontro. É por aí que a gente capitaliza”.

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Há crise e ninguém nega. Ela afeta valores. Mas como Amir Haddad pontuou, não sabemos ainda quais são os próximos valores que vão aparecer para nos civilizar. Ao pensar no teatro dentro desse cenário, acredita tratar-se de uma expressão que recebe visitas periódicas da saúde. Tais suspiros não fazem mais do que anunciar a proximidade da morte. “O ator é quem inventa o teatro. Não é o contrário. Ele está livre para inventar”. Com um detalhe: sem se corromper. “Deem para a plateia o melhor de si”.

Debate sobre teatro e Cultura Trans com a participação de Thammy Miranda. Crédito: Divulgação

Aposta equivocada

Se quem acompanhou o Teatro Vivo de Amir Haddad lucrou, perdeu quem tinha expectativa para ver a estreia do ator Thammy Miranda nos palcos como uma possibilidade de aprofundar a discussão sobre cultura trans. T.R.A.N.S – Terapia de Relacionamentos Amorosos Neuróticos Sexuais espetáculo que estreou na programação do Tiradentes em Cena pode ser considerado o erro desta edição.

A montagem com texto e direção de Carlos Verahnnay – que divide a cena com Thammy e a atriz Andressa Ferreira – se distancia totalmente da compreensão teatral de Haddad. Além de ser amadora em seu acabamento é superficial ao abordar a temática proposta. Ao fazer uma frágil sátira ao machismo, acaba se tornando tão preconceituosa quanto seu protagonista, um surfista que vive para pegar onda e transar com a subserviente namorada.

O Tiradentes em cena se propôs discutir tolerância em 2017. Machismo, subserviência da mulher, preconceito em relação aos homossexuais são temas muito caros para a sociedade contemporânea, mais ligados à intolerância. T.R.A.N.S – Terapia de Relacionamentos Amorosos Neuróticos Sexuais é construída sobre eles com o agravante de afirmá-los e não combatê-los.

Vivemos momento de mudança de paradigmas. Por isso é preciso muito cuidado. Toda sátira é bem vinda. É preciso, porém, ter consistência, consciência e responsabilidade.

A programação acertou na diversificação entre dança, teatro adulto e infantil. Falhou, apenas, na aposta da estreia. Crédito: Divulgação

São atributos encontrados, por exemplo, em  Casa de bonecas, clássico de Henrik Ibsen, também em cartaz no derradeiro fim de semana do festival. Os atores Roberto Bomtempo, Miriam Freeland, Anna Sant’Ana, Regina Sampaio e Leandro Baumgratz levam para a cena a versão contemporânea assinada pelo diretor argentino Daniel Veronese. Em pouco mais de uma hora mostram como é possível falar sobre machismo sem afirmar o machista.

Foi um contraponto necessário para encerrar bem o festival que ainda tem muito a crescer e oferecer!

* Culturadoria viajou a convite do Tiradentes em Cena. A hospedagem foi na encantadora pousada Aromas da Montanha. Super recomendada!

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